Fascículo 1 Junho 1983 – Palestra “A Vida Divina na Sociedade e na Família”

Fascículo 1 – Junho 1983

A VIDA DIVINA NA SOCIEDADE E NA FAMÍLIA

 

Respeitáveis Mães e Irmãos. Temos imensa alegria e grande fortuna de estar com vocês nesta noite.

Às vezes nos parece que as ideias são simplesmente a repetição das ideias anteriores. Ora, sem dúvida, nenhuma pessoa pode criar alguma coisa nova. Nada é mais antigo no mundo do que a Verdade. Acontece que, infelizmente, nos esquecemos da Verdade e, como consequência desse esquecimento, sofremos.

Agora temos, por exemplo, como tema – A Vida Divina na Sociedade e na Família. Pois bem. A vida já existia anteriormente; a família também existia anteriormente; a sociedade também existia anteriormente; e o amor – que é necessário à família – também existe eternamente.

Agora, quando tratamos de pensar na Verdade, que é eterna, simplesmente repetimos a Verdade. A repetição da Verdade é na realidade a sua prática. Muitas pessoas podem falar sobre a Verdade, mas muito poucas podem praticá-la em sua própria vida.

Temos as Escrituras, temos nossa Bíblia, temos muitas coisas, mas não temos um Cristo, não temos um Buddha, não temos um Krishna, não temos um Mahatma Gandhi que possa sacrificar sua vida para sustentar a de outros. Sempre necessitamos destas pessoas divinas para estabelecer os ideais na sociedade pelo exemplo de sua própria vida!

Assim, amigos meus, ao estar aqui para falar sobre a Vida Eterna, sobre a Família com amor verdadeiro, sem dúvida, não há coisa alguma nova, mas, sem dúvida também, neste momento, eu suscito a prática em todos vocês aqui presentes. Toda minha existência é dedicada à prática, porque essa questão não se resolve mentalizando isto ou aquilo. Mentalizar coisas a nada conduz. Nenhuma pessoa pode amar outra meramente pensando nela. Pensar não é suficiente.

Uma pessoa tem de sentir não só a união com outra, mas a unidade do Uno. Só depois de realizar isso, essa pessoa está apta a amar. Indubitavelmente, o Amor é a unificação pessoal, a identidade comum.

Tomemos como exemplo o ímã e um pedaço de ferro. Quando o ímã atrai o pedaço de ferro, de certo que isso não é simplesmente afinidade ou duas coisas que se aceitam. Há um poder interior que por natureza está inseparavelmente ligado a algo, e é precisamente esse poder que o impulsiona a aceitar. No ferro atraído pelo ímã existe algo invisível, que escapa à percepção ou à vista sensória, que impulsiona a ação na existência das duas coisas.

Assim também, quando uma pessoa sente amor por outra, sem dúvida, sua Alma trata de expressar sua Existência Infinita! O coração, ou o Centro de tudo, é infinito. A Alma é infinita, e cada pessoa tem o poder de expressar seu coração apropriadamente.

Infelizmente, agora falamos muito sobre o amor. Fala-se de amor nas ruas, pelas emissoras de rádio, TV, no carro, em todos os lugares fala-se sobre o amor. É uma constante! Mas quando tratamos de analisar, este amor fica reduzido ao apego para com a outra pessoa, apego ao corpo. Não expressamos amor à alma da outra pessoa.

O corpo sempre muda; nenhum corpo é eterno. Todos os corpos entram no cemitério, e aquele que quiser amar somente o corpo, deve amar um cadáver no cemitério. Parece-me que uma pessoa na realidade não trata de amar o corpo. Indiretamente sabe que o amor é possível simplesmente entre duas almas e nada mais! Sendo assim, a realização da unidade da Alma Universal é a manifestação do Amor Eterno.

Então, aquele que ama a uma pessoa, indiretamente ama a Deus, à Alma. E aquele que ama a Deus, ama a todos os indivíduos do mundo, porque em sua opinião, pela sua experiência, em todas as pessoas existe a mesma Alma, o mesmo Ser, o mesmo Espírito!

“O Fogo entra no Universo e toma muitas formas; assim, o Ser toma a forma de muitos seres.”

A exemplo da eletricidade que é a mesma em diversas formas de luzes coloridas, assim também temos inúmeras personalidades que são a projeção e expressão de algo, uma Divindade ou Alma ou um Ser Eterno.

A propósito, você pode dizer que todas as pessoas do mundo inteiro são a expressão manifesta do mesmo Cristo e nada mais! Porque é Cristo que diz: “Eu estou em meu Pai, meu Pai está em Mim, Eu estou em vocês e vocês estão em Mim.” Isso quer dizer que cada pessoa, sem dúvida, é uma forma de Cristo. Aquele que ama a Cristo, tem de amar a todas as pessoas no mundo; e aquele que ama a todas as pessoas, indiretamente ama a Deus! Então, o amor verdadeiro é o Amor Divino, o Amor Universal, e não podemos limitar esse amor!

Em um seminário, um reverendo padre me perguntou: “Swami, o senhor fala sobre o Amor Universal, e não fala sobre o amor pessoal. Diga-me sua opinião a respeito desse amor.” Eu disse: “amigo meu, o amor pessoal também tem sua importância. A continuidade da humanidade sem dúvida necessita de amor pessoal. Mas não devemos nos esquecer de que o amor pessoal tem limites, porque no máximo uma pessoa pode amar a cem pessoas, e neste caso é um diabo, além de não poder estender seu amor pessoal, porque poderia a qualquer momento receber um convite da morte”.

Amigos meus, há no mundo inumeráveis seres, e não podemos dizer que o mundo particular de cada um e o Universo sejam a soma de mil pessoas. Então, quando pensamos no Amor Universal, temos de entender a definição do amor verdadeiro. Esse amor, sem dúvida, transcende todo o conceito físico ou corporal.

Quando se ama a outra pessoa, na verdade, se esquece da própria existência física também. Eu nada sei sobre experiências sexuais, mas aquele que tem experiência nesse campo diz que sem dúvida se esquece de todo mundo. Esquece-se de seu corpo, de sua esposa ou de seu esposo, e simplesmente tem felicidade e nada mais. Nesse momento, ele se esquece da Existência Divina, da Existência do Amor Eterno, da Felicidade Verdadeira.

Amigos meus, quando falamos sobre o Amor Universal, temos de começar por estabelecer o amor em nossa família. Quando não se pode amar o seu irmão, o seu pai, a sua mãe, como se pode amar a outras pessoas? Por um lado, falamos sobre o Amor Universal, mas por outro, odiamos nossos pais, odiamos nossos irmãos. Amigo meu, eu pergunto, como é possível assim o Amor Universal? É impossível simplesmente. Falamos sobre amor, e em nome dele matamos, odiamos. Eu digo: amigo meu, isso não é amor, é apenas uma ilusão que não pode sequer se tornar amor.

Sem sacrifício, nenhuma classe de amor é possível! Então, aquele que quer amar deve aprender o idioma do sacrifício em sua vida. É necessário, amigo meu! É necessário!

Agora devemos compreender algo muito importante que é o fato de o amor verdadeiro ser a expansão da personalidade. No amor eterno, nada temos a perder, simplesmente temos a expansão de nossa existência. Hoje, identifico-me com meu corpo, mas amanhã tenho de identificar-me com toda a minha família.

Sabemos que a família é um triângulo eterno que tem três pontas ou três lados. Um lado é a mãe, o outro é o pai, e o outro lado é o filho. Nesse triângulo, amigos meus, uma pessoa entra na vida familiar sem dúvida que é pela sexualidade e logo mais se tem os filhos. Entre o filho e os pais, nenhuma relação sexual há, mas existe o amor.

Nós não devemos esquecer que para fluir a vida familiar, sem dúvida alguma, o esposo tem de sacrificar sua vida, e a esposa, a sua também. O sacrifício mútuo é o responsável pelo sacramento do matrimônio que forma a família. Sendo assim, os esposos não vivem cada um para si, mas um vive para o outro. Assim, há transformação da vida, perfeita e completamente.

Na família comum o que acontece? Ele (o esposo) vive para seu próprio interesse, e a esposa vive para o seu. A família não se forma porque simplesmente vivem duas pessoas que têm características diferentes.

A vida familiar é a amálgama inquestionável de duas personalidades numa só. Antes o esposo era perfeito, e a esposa, também. Logo, a amálgama também deve ser perfeita, e, obtendo uma amálgama perfeita, não podemos mais buscar a felicidade pessoal. É algo coletivo. Sem dúvida, é um dos caminhos e o começo da realização da Vida Universal.

Amigos meus, nesta transformação, os filhos têm de viver para os pais, e os pais para seus filhos. Hoje encontramos grande tensão entre filhos e pais, grande tensão entre esposos e esposas. Não há na vida familiar nenhuma finalidade comum a todos, e como consequência não temos felicidade. É verdade!

Sucede também que, quando uma pessoa como eu fala sobre renúncia, invariavelmente surge a seguinte pergunta: “Swami, se todo o mundo seguir o caminho da renúncia, como a criação pode ter continuidade?” Neste momento, lembra-se da família. Mas quando em família não trata de manter a integridade da família, mas sim de satisfazer seus interesses pessoais.

Então eu digo: amigo meu, você está em família e para tanto deve escrever a história do sacrifício com seu próprio sangue! Todas as pessoas morrem no mundo, mas o amor é eterno, e o nome da pessoa que ama e sacrifica sua vida para manter a história do amor, esse nome é eterno.

Amigos meus, depois, temos de realizar sem dúvida, que todo mundo é uma família. Em sânscrito[1], se diz que “todo mundo é minha família. Todos os homens são meus irmãos e irmãs.” Então temos de amar.

Na verdade, o Universo não inclui somente os homens, inclui os animais também, portanto, temos de estender nosso amor a eles também, por que não? A princípio, infelizmente, odeia-se os animais porque se supõe que não têm importância alguma.

Eu digo: Amigo meu, não sabe que você está relacionado com todas as coisas do mundo? Sua vida não seria possível se não estivesse relacionada e identificada com todo o mundo e com todas as coisas. E quanto mais consciência tomemos disso melhor realizamos a vida.

Por exemplo, agora estamos nesta sala, e lá fora há muitas árvores. Podemos achar que não estamos relacionados com essas árvores, mas isso está errado. Vocês sabem que inalamos oxigênio e exalamos gás carbônico, e as árvores inalam o mesmo gás carbônico que nós exalamos quando elas exalam oxigênio, e nós inalamos o mesmo oxigênio que elas exalam. Concluímos então que podemos viver sem nossos irmãos, sem nossos amigos, mas que não podemos viver por um segundo sequer sem a ajuda destas árvores!

[1] Vasudeva kutumbakam.

Pois, amigos meus, as árvores também são nossos parentes, não só os homens o são, as árvores também. O vento é nosso parente porque não podemos viver no mundo sem vento. Assim, necessitamos continuamente a vida eterna, relacionada com todo o Universo. A esta realização se chama amor!

O sol tem amor. A lua tem amor. As estrelas têm amor. Os rios têm amor. Os mares têm amor. Por todas as partes amor, amor e amor! São Francisco chama a tudo isto, e até a pedra, de irmão! Sem dúvida, todo o mundo é a história do amor! E aquele que não tem amor em seu coração não é homem, é simplesmente um pedaço de carne.

Amigos meus, não necessitamos de tumbas viventes como homens. Necessitamos de homens vivos e não de “sepulcros embranquecidos”; de homens que tenham coração, que tenham mente e o poder de sacrificar-se. Aquele que pode ter este sentido de homem, sem dúvida, é uma entidade divina.

Amigos meus, eu sei que vocês têm muito amor, muito mesmo e amor para todos, eu sei. Mas, ao mesmo tempo, têm medo também. Nas casas vemos serpentes, leões, tigres. Porém não vivos, mas mortos. Às vezes, feitos de madeira. Por que há essas coisas nas casas, por que? Ora, indiretamente, o coração, seu coração tem estreita relação com todos os animais, mas infelizmente seu medo não permite amar os animais vivos.

Nosso egoísmo, às vezes não nos permite amar a alguém ou a qualquer criatura.

Eis então que a Divindade vem a nós para ajudar-nos e dizer: “Oh! Homem! Tu és o Filho de Deus! Nenhum medo tens de ter! Nenhum orgulho, sequer egoísmo. Anterior à tua existência individual, já existia o mundo, e depois de tua morte, também continuará a existir! Por que então permanecer apegado a este mundo? O mundo é para o mundo! A individualidade é para a individualidade! Sendo assim, deves crucificar tua individualidade para poder manter tua relação com a universalidade.” Essa é a mensagem; a mensagem da Religião.

Precisamente à hora da comida, do alimento, às vezes as pessoas perguntam: “Swami, que categoria de religião o senhor cuida de disseminar? “Eu digo: amigo meu, trato de seguir o caminho da Religião Eterna.” Em sânscrito é Sanatana dharma, que significa Eterno-Infinito. O amor é eterno, a religião é eterna, as leis universais são eternas. Então, constante e continuamente, o homem tem de seguir o caminho da eternidade. Todas as pessoas têm seu próprio gosto, e segundo seu gosto tratam de comer, assim ocorre com todas as pessoas. Amigos meus, não devemos nos esquecer de que entre a comida e a fome, há uma pequena língua que cria o gosto e, além de estar relacionada com o próprio sentido do gosto, tem também relação com o desgosto. Em vista disso, temos de apreender a arte de cooperar, e para tanto devemos sentar à mesa, todos conjuntamente, embora comamos segundo o nosso gosto. Mas, que acontece? Sentamos e não comemos, somente discutimos e lutamos em nome da religião. Matamos em nome da religião. Isto tem conseqüências terríveis que um dia se terá de pagar.

Ademais, não há duas religiões, há simplesmente uma. Ora se mata aqui, ora acolá, e em ambos os lados está presente Cristo, e Cristo então chora. Na realidade estamos crucificando o espírito de Cristo outra vez. Aqueles que crucificaram Cristo, apenas crucificaram o corpo; e hoje a gente trata de crucificar a alma e o espírito de Cristo. Amigos meus, vocês são os seguidores de Cristo, por que não amam? Por que matam? Por que queimam? Por que tudo isso? Somente quando vêm pessoas da Índia é que se lembram da sua religião. E quando temos de praticar não o fazemos. Isso é assim não só aqui, mas também na Índia, em todas partes do mundo, sempre temos o mesmo problema.

Lembro-me de um incidente muito interessante. Em uma família estavam a discutir o esposo e a esposa, quando ele disse peremptoriamente: “Meu filho há de se fazer médico.” Logo a esposa replicou: “Não, meu filho será engenheiro.” Ele disse: “Não, não, ele é meu filho, tem de ser como digo.” Nesse momento chega um amigo da família, e o casal tratou de dizer-lhe o que estava acontecendo. O amigo disse: “Muito bem, muito bem, você quer que seu filho seja um médico, e você quer que seja um engenheiro; mas eu queria perguntar a seu filho o que ele quer fazer”. A esposa que estava grávida respondeu: “Eu ainda estou esperando.”

O filho não estava presente na discussão, e a luta em nome do filho já estava ali. Na prática, a religião não existe, não se realiza, mas as lutas em nome da religião estão sempre presentes. A própria Escritura cita isso.

Amigo meu, você deve seguir qualquer religião, mas deve compreender que o espírito da religião não está no ódio ou em matar, consiste simplesmente em amar e nada mais! Quando amamos a todas as pessoas, sem dúvida podemos realizar a salvação, a emancipação. E todas essas coisas estão em nossa consciência e, quando nossa consciência está purificada, sem dúvida, nós começamos a ver Deus. Deus emerge desde teu íntimo e Se revive. Nesse momento eu não tenho de ter mais nada, porque nada mais me falta. Uma grande unidade permanece. Eu simplesmente vivo essa unidade.

Peço-lhes, por favor, que tratem de realizar o Espírito do Amor. Isso significa que Deus sempre está conosco.

Incessantemente temos o poder de amar ou de matar. Aquele que mata o poder de matar, cria o poder simplesmente, e aumenta a capacidade de amar; esse é um Homem divino! Todo mundo se inclina ante essa pessoa.

Com estas palavras, eu lhes agradeço pela presença e atenção.

OM SHANTI SHANTI SHANTI

OM PAZ PAZ PAZ