O Hinduísmo

UMA INTRODUÇÃO AO HINDUÍSMO

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Por Naren Nagin

A RELIGIÃO QUE INCLUIU TODAS

O Hinduísmo é uma religião tão abrangente que resulta mais fácil dizer o que não é, do que o que é. Não se trata de uma religião inflexível, pois oferece amplo espaço para a liberdade de expressão. É possível aproximar-se dele sob um ponto de vista próprio, individual, e crescer nele de acordo com a própria personalidade.

Não é uma religião exclusivista e nem reivindica ser a única verdadeira. A menos que se esteja preparado para aceitar que Deus tenha cometido vários erros, deve-se aceitar que, se uma religião é verdadeira, todas as outras devem ser verdadeiras também. Por isso, a fé hindu, sendo um sistema de sabedoria e um guia para uma vida apropriada, não é só para hinduístas, mas também para pessoas de todos os tempos, países e religiões. A pessoa pode ser um bom hinduísta sendo um bom cristão, um bom muçulmano, um bom comunista, um bom ser humano e mesmo um bom ateu.

Embora eu seja hinduísta de nascimento, cresci numa escola católica, e, assim, me mantenho aberto a outras escrituras e fé religiosas. Como resultado de meus antecedentes hinduístas, não sinto aver­são por estar numa igreja ou mesquita. De fato, encontro a mesma elevação espiritual numa igreja cristã como num templo hindu.

Não é uma religião missionária e não objetiva a conversão de fiéis. O leitor tem que se sentir livre, sem receio de que sua religião seja enfraquecida quando ficar entendida a verdadeira finalidade destas páginas. Na verdade, compreender o hinduísmo servirá para fortalecer sua própria religião e ajudar a acrescentar harmonia para relacio­nar-se com outras pessoas e culturas.

AS ESCRITURAS DO HINDUÍSMO

Enquanto as escrituras de outras religiões derivam sua autori­dade de um Deus pessoal, anjo ou mensageiro especial, os Vedas, que são a escritura básica do hinduísmo, não fazem tal reivindicação. “VID” significa conhecer, e os Vedas representam o conhecimento infinito, não criado, eterno. O conhecimento não pode ser inventado, mas somente descoberto. A soma total do conhecimento é chamada Vedanta, que significa “verdade descoberta”, verdade descoberta pelos Rishis, almas que realizaram sua clarividência e não apenas sua vidência. O Rishi não demanda propriedade ou direitos autorais por seu pensamento ou conhecimento.

Nada de novo há no universo. Só os descobrimentos parecem novos. Colombo descobriu o que já existia: a América. Os Rishis descobriram o sempre-existente Conhecimento. Este Conhecimento, representado pelos Vedas não é algo que deva ser aceito só porque está expresso em preto e branco em um livro. Não: o conhecimento dos Vedas pode ser experi­mentado por todo e qualquer ser humano por ser a Verdade. Pela experimentação pessoal pode-se verificar a eterna Verdade encerrada dentro de si mesma. Aliás, este é o desafio do hinduísmo.

A fé é, certamente, necessária, mas as asserções dos Vedas não necessitam de aceitação na forma da fé cega. Questione tal conhecimento, experimente-o e, finalmente com perseve­rança, vivencie-o por si mesmo. Não é forçoso ficar satisfeito com o que já está estabelecido como, por exemplo, que “a manga é doce”. O hinduísmo o convida e o encoraja a ir além: morder, provar, sentir seu doce néctar escorrendo pelo seu ser, para saber por você mesmo que “a manga é doce”.

Os Vedas – Rig Veda, Sama Veda, Yajur Veda e Atharva Veda – estão divididos em duas partes principais: a do trabalho ou ação, e a do conhecimento. Na parte do trabalho, estão incluídos os deveres da pessoa: deveres como estudante, homem do lar e monge. Já a parte final dos Vedas é chamada Vedanta e contém as UPANISHADES – essência do conhecimento espiri­tual dos Vedas.

À semelhança das outras religiões, o hinduísmo possui muitas escolas com várias interpretações das escrituras. Porém, qualquer seita que reivindique ser parte do hinduísmo deve reconhecer a autoridade das Upanishades e dos Vedas. O próprio nome “hindu” é proveniente da Vedanta.

Além dos Vedas, o hinduísmo também tem outras escrituras, e um resumo das mais importantes será feito neste capítulo. Presentemente direi que o hinduísmo tem os SMRTIS ou “Códigos da Lei”, cuja origem é humana. Entre os melhores conhecedores que estabeleceram as leis que regulam as sociedades está Manu.

O Hinduísmo é uma religião dinâmica, e os Códigos da Lei nos SMRTIS são flexíveis e mudam de tempos em tempos segundo as necessidades do gênero humano. A relação do SMRTI com o SRUTI (Veda) equivale à do corpo com a alma. O corpo é sujeito à mudanças e a alma, não. A alma está além do tempo.

O “Ramayana” de Valmiki e o “Mahabharata” de Vyasa são também escrituras do hinduísmo e podem ser descritos como “O Veda Popular” onde histórias e lendas são usadas para ilustrar os princípios da Vedanta.

Os Puranas são histórias religiosas que ilustram a verdade do SRUTI, narrando os feitos dos reis, deuses e santos. Entre as maravilhosas histórias dos Puranas estão as de PRAHLADA e DHRUVA.

É difícil descrever nossa própria mãe, bem como o BHAGAVAD GUITA. Nós estamos todos no campo de batalha da vida, e o Guita foi apresentado pelo Senhor Krishna ao guerreiro Arjuna num campo de bata­lha. Cada momento de nossa vida requer decisões, e o Bhagavad Guita provê as respostas a milhares de questões e problemas que surgem no decorrer da vida. O que fazer e o que não fazer estão respondidos no Guita. O caminho da devoção, do trabalho e do conhecimento estão ali descritos e unificados. As questões da vida em geral, e as de morte e vida, são abordados nele. O relacionamento entre pessoas, e entre a pessoa e Deus, também.

O Guita é a essência das Upanishades. Muitos já disseram que os que estudam constantemente o Guita e vivem a vida nele indicada não necessitam de outro livro. Com freqüência as pessoas ficam confusas pela grande quantidade de livros existentes. O Guita responde às questões apresentadas por Arjuna em nome de todos nós. Os conflitos de Arjuna são os mesmos que sempre tivemos e temos hoje.

O que foi escrito até aqui é somente um resumo. Para o iniciante seria bom que primeiro lesse uma versão simplificada e conden­sada das várias escrituras a fim de obter uma compreensão inicial e um panorama geral de cada uma delas antes de ler o texto completo.

A TEORIA DA CRIAÇÃO

A criação implica algo feito do nada. Diz a lógica que “do nada, nada procede”. “Nada” não pode ser “alguma coisa”. Por isso, “criação” não é a palavra certa para ser usada aqui.

Vejamos a definição de espaço. O espaço pode conter planetas, astronaves, estrelas, mas, em si mesmo, não é substância alguma. De fato, ele nada tem a ver com nenhuma dimensão limi­tada. Em outras palavras, o espaço é infinito e a existência de planetas não diminui a infinita dimensão do espaço. Se você olha uma xícara, existe espaço fora dela, espaço dentro dela, espaço nas “paredes”, na base, e na asa da xícara. A existência da xícara não reduz ou contradiz a infinitude do espaço.

Nas Escrituras cristãs, com relação à Criação, se diz que “primeiro era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. O conceito hinduísta é semelhante, embora não reco­nheça um começo para a Criação nem um ponto final. O hinduísmo acha a palavra “emanação” mais apropriada do que “criação”. Chame-se a isso natureza ou chame-se a isso Deus. Dessa Verdade sempre-existente o universo parece projetado, parece existir, e parece dissolver-se. Tal como as ondas do oceano, “ondas” que aparecem e desaparecem todo o tempo. A continuidade entre essas oscilações é a eternidade. O apare­cimento e o desaparecimento das ondas não afetam de maneira alguma o oceano, e essa emanação e sua retirada ou absorção não atinge a Suprema Verdade a qual é sempre infinita, sempre contínua.

Nas escrituras, a palavra “começo” algumas vezes é usada. Refere-se ao início de um ciclo.

O que é o mundo do homem? É nada mais que o reflexo de sua própria emanação. Toda-poderosa é a vontade humana, e o ambiente ou circunstâncias podem ser determinados por uma constante vontade, seja ela expressa por uma única determina­ção ou pela oração intensa e contínua.

 

A LEI DO KARMA
(AÇÃO)

A lei da Física estabelece que “para cada ação há uma reação igual e oposta”, e o que é tido como verdade para os físicos também é válido para as ações do homem.

O tempo de reação difere devido à diversidade das ações, mas a reação é certa. Vejamos alguns exemplos: dê uma tapa no rosto de sua esposa e você não terá que esperar muito tempo pela sua reação. Uma bofetada em resposta estará machucando seu rosto em questão de segundos. Claro que isto é apenas um exemplo e, de certo o leitor não precisa fazer essa experiência…

Coma mais lentamente, muito mais lentamente do que você necessita, pois a energia atômica da comida é absorvida primeiro na boca. Durante alguns anos, o estômago aceita o abuso mas, pouco a pouco, deteriorar-se-á a tal ponto que não terá mais condições de comer sequer o necessário.

Em geral, atos de bondade não são apreciados pelos outros porque nosso ego, em princípio, é contrário a tudo. E ao que parece eles também nunca são bem retribuídos. Desnecessário dizer que atos de bondade nunca deveriam ser pagos ou retribuídos, já que seu motivo é a bondade. Ainda assim, a lei do Karma age sempre e, quando você menos esperar, sua bondade será retribuída e compensada com uma soma gene­rosa de juros.

O que acontece com a lei do Karma quando, por exemplo, uma pessoa comete um assassinato já próximo ao fim de sua vida, e logo depois morre, antes de essa ação ser eliminada ou punida? Por outro lado, o que acontece à pessoa que pratica boas ações e morre antes de ter tempo de desfrutá-las? A lei do Karma opera com base na eterna continuidade da vida. A morte do corpo físico nada mais é do que – de acordo com o Senhor Krishna, no Bhagavad Guita – um deixar do corpo velho e usado e um adquirir de um outro, novo, da mesma maneira com que uma pessoa descarta uma roupa velha em troca de uma roupa nova. A simples troca de “roupas” não cria um indivíduo novo. A alma, com suas qualidades de “ativo e pas­sivo” do Karma, impulsiona a si mesma para o novo corpo. Sua “conta bancária” é transferida para uma nova seção. Todavia, seu saldo bancário e empréstimo permanecem os mesmos para desfrute e remuneração, respectivamente. Então, a ação do assassínio, que não foi eliminada, terá sua punição na vida seguinte. O homem bondoso, que não teve sua recompensa naquela vida, com certeza terá na seguinte.

As pessoas que não estão familiarizadas com a lei do Karma criticam dizendo que Deus não é justo, e fazem perguntas tais como “Por que este bebê é cego? Que mal ele pode ter feito a alguém? Por que este homem preguiçoso ganhou um milhão de dólares na loteria?” A pessoa familiarizada com a lei do Karma apenas terá um sorriso para essas questões porque sabe que cada pessoa é responsável por seu próprio destino, já que nós mesmos o criamos.

A palavra “destino” leva-me à última parte deste capítulo. Algu­mas pessoas querem tomar a saída mais fácil a este respeito e dizem que, “se tudo nesta vida é determinado pelo destino ou sorte – ou pelo resultado de suas prévias ações – então por que se aborrecer em fazer algo agora?” Elas dizem: “O que tem que acontecer, acontecerá”.

É importante compreender a verdade sobre o destino. Fazer o seu próprio destino é um processo contínuo. Dizer que as ações da vida passada vão governar inteiramente esta vida é ignorar o fato de que suas ações presentes também afetam o futuro. Certamente, as ações de suas vidas prévias atingem, afetam você. Mas, a qualquer momento particular de sua vida, você terá o direito e o poder de criar um destino novo e melhor. A vontade humana, tal como eu disse anteriormente, tem tremendo poder. Você até pode ser influenciado pelas prévias más ten­dências. Todavia, sua vontade pode vence-las desde que, fortalecendo-a, ela leve você a melhorar e, em conseqüência, melhorar seu futuro.

No hinduísmo não há limites do quanto você pode avançar. Então, se seu esforço é vigoroso e constante, com a graça de Deus a onipresença em você mesmo poderá ser sua recompensa! Maior retribuição, mais desejável recompensa que essa, não existe. A bênção da onipresença! Galgue a montanha e veja o panorama extenso à sua frente, em todas as dimensões. Sinta a bênção da unidade conjuntamente com a expansão do pano­rama. Para vislumbrar a bênção – a infinita e sempre renovada bênção da onipresença, multiplique a “bênção do cume da mon­tanha” um bilhão, um trilhão, um quatrilião, um quintilião, um sem-fim de vezes.

A ALMA DO HOMEM

Olhe para um ventilador, uma lâmpada elétrica, um aque­cedor. Se suas tomadas não forem ligadas à eletricidade, os aparelhos estarão “mortos”. Serão apenas um amontoado de metais. E se a eletricidade não estivesse permanentemente acessível, o que faria você com esses aparelhos? Certamente os jogaria fora.

Quando a “eletricidade” ou a “chispa” que alenta e anima o corpo humano se vai, nós “jogamos fora” o corpo (cremamos ou enterramos).

O que é essa “Chispa” que dá vida ao corpo humano? Chame-a por qualquer nome, mas é certo que existe algo que faz diferente o ser vivo, a quem amamos e cuidamos, do corpo morto, o qual não podemos sequer demorar para dele dispor. Qualquer pessoa que tenha visto um ser vivo e um corpo morto não discute se a alma humana existe.

É a alma que mora no ouvido, no olho, nos sentidos do tato, gosto e olfato, e na mente. É a alma que permite a você experi­mentar os objetos dos sentidos. Um corpo sem alma – corpo morto – não grita de dor se você o finca com um alfinete ou se você o corta. E não sorri se você sorrir, e não o beija se você o beijar. De uma macieira não crescem pêras. Assim, a consciência não provém da inconsciência e a alma somente pode vir da “árvore” da Consciência .

Voltemos ao exemplo do ventilador, da lâmpada elétrica e do aquecedor. Nós os ligamos e desligamos, e essa ação completa o circuito elétrico. Então, a “doação da vida”, a energia, passa do gerador aos aparelhos. A mesma energia faz o ventilador girar, a lâmpada iluminar e o aquecedor aquecer, tudo de acordo com seu próprio mecanismo.

Sim, a alma humana nunca se separa do “Gerador” da Consci­ência. Chame-o “Gerador”, Deus, Consciência ou Realidade. O circuito é completo. A Consciência humana é una com a Consciência Cósmica. Em cada aparelho circula a mesma eletricidade, e em cada ser humano existe aquela mesma Consciência. O grau de manifestação varia, dependendo do tipo e campo de atividade de cada aparelho. Você pode notar uma grande diferença no grau do brilho da luz entre uma lâmpada de 40 e uma de 100 Watts, embora a mesma eletricidade passe por ambas.

A realização de que é a mesma Consciência, a mesma alma em todos os seres humanos, é a base para a fraternidade dos homens. Uma vez realizado que nós somos UM, sem considerar nosso exterior, isto é, se somos brancos, morenos, ou pretos e uma vez realizado que nós nunca poderemos ser felizes enquanto houver outros infelizes, então jamais nos apanharemos mago­ando os outros. E nunca permitiremos aos outros passarem fome, nunca permitiremos que uma palavra cruel escape dos nossos lábios. Pode haver eterna discussão acadêmica sobre religião, mas a realização da unidade da alma humana é a de tratar a todos com amor e bondade – um benefício prático da religião.

Não esqueçamos que mesmo nos animais existe a mesma Consciência. Apenas há diferença no grau de manifestação. Por­tanto, nossa bondade para com os animais não deve ser menor.

MORTE?

A humanidade tem visto o que parece ser a morte milhões de vezes. Todavia, qual homem pode realmente acreditar que ele mesmo morrerá? O fato é que não acreditamos porque, na verdade, nos sentimos eternos. A questão é que, para sermos capazes de considerar a morte (a não-existência), temos que primeiro ter existido. A energia nunca pode ser criada e nem destruída. Isto é afirmado com freqüência. Se Eu “sou” não pode ser que Eu “não sou”, com morte ou sem nenhuma morte, minha essência é a alma, e o Senhor Krishna disse no verso 7 do Capítulo XV do Guita: “A alma é uma parte eterna de Mim mesmo – Deus”.

A morte sugere término. Mas certamente não pode haver fim para o eterno. O sol brilha no oceano e o vapor d’água se levanta. Enquanto se eleva, o vapor, que é uma parte do mesmo oceano, esfria e forma gotas isoladas que um dia vão retornar ao oceano. E quando atinge o oceano, a gota não é destruída, não termina; pelo contrário, torna-se una com o infinito oceano. Não há nenhuma eliminação de identidade, mas uma expansão infinita da Consciência.

Quando uma criança cresce e chega aos vinte e um anos de idade, o evento é celebrado com uma festa pródiga. Não é lamentada de maneira alguma a perda da infância porque chegar a essa idade é cumprir uma etapa para a idade adulta.

Faz poucos anos, um homem chamado Swami Tilak, um amigo e santo muito acima de comparações, foi ao encontro de um acidente fatal na Espanha. Mesmo em se tratando de pessoas comuns, com todas suas múltiplas faltas, quando elas morrem sente-se uma sensação de perda. Mas no caso de Swami Tilak, que foi meu mais íntimo amigo, houve algo a mais, pois era ele um homem cuja renúncia não conhecia apego algum. Externamente havia renunciado a todo apego a coisas como dinheiro, roupas e calçados. Nenhum bem material carregava consigo. Vestia somente dois panos de cor ocre e caminhava descalço sobre areias ardentes ou ruas neva­das. Interiormente, nenhum apego tinha quanto à popularidade ou quanto a ter muitos seguidores. Humilde além do que é possível acreditar, era o mesmo para com o pobre e com o rico, o jovem e o velho. Não construiu nenhum ashram ou fundou Instituições. Ele construía um templo no coração de cada pessoa que encontrava e que se sentia tocada pela sua santidade e humildade.

De qualquer maneira, o corpo de cada um de nós tem que ir em determinado momento e não há exceções nem para os santos.

Como eu disse antes, meu amigo foi ao encontro de um acidente fatal. A notícia desse evento inicialmente chocou-me. Aos poucos, porém, a tranqüilidade substituiu o choque e um sorriso pairou nos meus lábios.

Para a pessoa que não está totalmente pronta para aceitar a identidade com o Absoluto, a alma arrebata a mente e os senti­dos do corpo moribundo e migra para um corpo novo. Porém, para a pessoa que está preparada – e Swami Tilak estava pronto – nenhuma necessidade há de migrar de corpo em corpo. Para essa pessoa, o pulo no infinito e na eternidade é plenamente acessível. Para essa pessoa, nenhuma espera é necessária para a expansão da identidade com o Todo, algo assim como a onipresença. Então, ela virá e irá “quando quiser e como quiser”.

O sorriso pairava nos meus lábios por uma boa razão. Tinha eu perdido o amigo? Não! Minha alma e a dele são simplesmente UMA e suas nobres e santas qualidades são da minha essência. Quando eu gozo ao encontrar alimento, ele, que é meu amigo também goza, porque, querido leitor, é a mesma alma. Ser capaz de ver unidade em toda esta aparente diversidade é ser real­mente capaz de “Ver”.

ADORAÇÃO ÀS IMAGENS

Parece haver algo na natureza humana que faz uma pessoa julgar e criticar os outros sem primeiro examinar a si mesma por faltas semelhantes.

A turba aglomerada estava pronta para apedrejar a prostituta até que o Senhor Cristo pediu que “o primeiro homem a atirar uma pedra fosse aquele que nunca antes tivesse cometido pecado”. Todos nós temos esta tendência de julgar apressadamente sem examinar os fatos. Sem pensar duas vezes.

Muitas vezes as pessoas dizem que adorar imagens ou ídolos está errado. Vejamos então os fatos. Todas as religiões concor­dam que Deus é infinito e onipresente. Quem de nós pode imaginar o infinito? Esqueça a referência da infinitude. Quem de nós pode imaginar nossa própria cidade na sua totalidade? Nós não podemos, e, assim, consultamos mapas. Quem de nós pode sequer imaginar o planeta Terra na sua totalidade? Não pode­mos. O que fazemos é usar o mapa globo-terrestre a fim de podermos concentrar nossa mente e falar em termos aceitáveis a respeito de nosso planeta. Todos nós sabemos que o “mapa mundi” não é o planeta e apenas o representa.

Adorar a Deus por meio de imagens é semelhante. Um hindu sabe que a imagem não é Deus, que só representa Deus. Um hindu se dá conta de que, para o homem comum, é virtualmente impossível visualizar e imaginar o infinito. Por isso ele usa imagens. Para adorar a Deus, é melhor usar imagens que deixar de fazê-lo, dizendo que “o infinito e a onipresença são muito difíceis para nós”.

Adorar imagens está restrito aos hindus? Certamente que não. Vejamos por exemplo a Igreja Católica. A santa cruz com a está­tua de Cristo está lá. Os católicos sabem que a estátua não é o Cristo e meramente o representa. Por estranho que pareça, a atitude do hindu e do cristão na adoração de imagens é a mesma.

Os hinduístas são freqüentemente acusados de politeístas. Eles parecem adorar muitos deuses. Mas não é assim. Não são muitos deuses. Eles adoram muitas imagens do mesmo Deus. Para facilitar a mente e adquirir maior concentração num particu­lar aspecto de Deus, os hindus usam uma particular imagem. Ganapati ou Ganesh é adorado no começo de toda oração e de cerimônias a fim de remover obstáculos da mente. Os hinduístas, nesses momentos, concentram seu coração e mente no aspecto de Deus que remove o obstáculo, e chamam esse aspecto de Ganapati. É mais fácil acercar-nos de nossa mãe e fazer-lhe pedidos do que acercar-nos do nosso próprio pai. Por isso os hinduístas adoram Deus em seu aspecto de mãe, e chamam a esse aspecto de Lakshmi – para pedir bem-estar e riqueza. Os hinduístas se dão conta de que o mesmo Senhor é o Criador, o Preservador e o Destruidor, e dá a cada aspecto do mesmo Senhor títulos e imagens como Brahma, Vishnu e Shiva, respectivamente.

O objetivo da adoração do hinduísta, isto é, sua finalidade última, é a realização de Deus. Ele usa a imagem em um estágio inicial. Assim é como deve ser. Quando nós somos bebês, segura­mos no dedo de nosso pai para aprender a caminhar. Mesmo tendo obtido a realização, o hinduísta não esquece que a ima­gem de Deus o representa e, por isso, nunca deixa de reverenciar com devoção, humildade e amor quando está na frente de uma dessas imagens, tendo em conta sempre que sua homenagem é para o todo-poderoso Deus que a imagem repre­senta. O hinduísta não tem dificuldade de orar na frente do sol, do oceano ou da montanha. Tudo isso representa a onipotência de Deus para ele. Toda a criação é manifestação da chispa de Sua efulgência.

Finalmente, ainda que os hinduístas não sejam politeístas, seu monoteísmo deve ser apropriadamente compreendido. Os hindu­ístas não dizem que existe um só Deus. Todas as religiões declaram que Deus é infinito. Os hinduístas dizem que só existe Deus. E se nós nos sentimos separados desse infinito, se o universo for separado do infinito, então isso significa pôr uma limitação ao infinito. Um infinito no qual não se inclua tudo não é infinito. Ademais, as religiões não podem estar todas erra­das! Nós estamos todos neste infinito, e este infinito é Deus. Existe Deus e Deus. Só. Nada fora de Deus existe.

“Fora de tua Consciência, nenhuma verdade existe.”

“Fora de tua Consciência, onde está Deus?.”

GURU

O hinduísmo enfatiza a auto-realização como objetivo de todas as pessoas e criaturas. Até aqui este texto discutiu claramente a filosofia hinduísta. Nos capítulos restantes discutir-se-á o sentido da auto-realização. Neste capítulo será discutido o que é um guru, e o que é necessário para ser um guru.

Muitos de nós tendem a esquecer que temos tido gurus ao longo de nossas vidas. Quando, a princípio, nós aprendemos a cami­nhar, não o fizemos nós com nossos pais? Que mais podemos acrescentar para dizer que a primeira linguagem aprendida é a dos nossos pais? Na escola, nossos professores são nossos gurus. Aprendemos a dirigir um veículo e o instrutor é nosso guru para tal propósito. Necessitamos aceitar o fato de que nada místico há sobre a palavra guru, que normalmente significa “professor”.

Por que necessitamos de um mestre ou guru? Há muitos livros sobre qualquer matéria. Por que não podemos simplesmente ler os livros? Voltemos ao exemplo de como aprender a dirigir um veículo. Pode-se ler muitos livros a respeito, e de fato deve-se ler, mas todos os livros do mundo não podem substituir o instrutor. O instrutor – guru – senta no carro quando você nervosamente dá a partida pela primeira vez. Ele está lá para encorajar você com delicadeza e guiá-lo através da parte teórica e prática em todos os degraus do aprendizado. Ele também está lá para impedir e corrigir erros quando você os comete. Ele transforma, faz de você, pouco a pouco, um qualifi­cado motorista que controla seu veículo e não permite que a máquina o domine.

Para a auto-realização, um mestre ou guru deve atender a um conjunto de bons requisitos. Você pode – e deve – estudar todas as escrituras, mas o livro de estudo, por si só, está cheio de dificuldades e perigos. Imagine uma pessoa começando a diri­gir numa rua movimentada depois de ter lido livros, mas sem ter tomado antes aulas práticas com um professor qualificado. Essa pessoa é uma ameaça para si mesma, para os outros motoristas e para os pedestres. Pior ainda é a situação dos aventureiros da espiritualidade, que crêem conhecer tudo depois da leitura de uns poucos livros. Às vezes, o conhecimento de muitos livros de filo­sofia resulta em orgulho, procedimento egoísta e desprezo pela aparente “ignorância” das pessoas. Todos esses riscos são evitados pelo verdadeiro realizado. Os eruditos – pandits – tratam também de ensinar os outros, dando a impressão que falam pela íntima realização. Aqui citamos o caso do “cego guiando outro cego”, e o resultado é catastrófico.

Aquele que busca a auto-realização necessita de um mestre ou guru, isto é óbvio.

Um guru não é necessariamente uma pessoa que tenha um grande ashram. Um guru não é necessariamente uma pessoa que junte ao redor de si muitos discípulos. Um guru não é necessariamente uma pessoa que tenha avião particular e muitos carros Rolls Royce. Um guru não é necessariamente uma pessoa que tenha se tornado Sanyase ou que seja um monge. Isso não quer dizer que esta pessoa não possa ser um guru. O que queremos dizer é que essas qualidades, por si mesmas, não fazem um guru.

Assim como um instrutor de motorista deve ser um competente e hábil motorista, um mestre de auto-realização deve ser, ele mesmo, totalmente realizado. Assim como um instrutor de moto­rista deve ter a habilidade de instruir, um mestre deve ter a habilidade de transmitir o conhecimento da auto-realização a seu estudante. Assim como um instrutor dirige ele mesmo um veículo sem ostentação, e com segurança, de acordo com o regula­mento de trânsito, assim também o mestre de auto-realização pratica o que ele predica, vivendo uma vida na qual olha para cada um com amor e bondade, vivendo uma vida de humildade e servindo a todos. A santidade destila de cada poro de seu ser, e a luz do Conhecimento brilha em seus olhos.

Você não deve se preocupar se não tem ainda um guru. Não deve se preocupar muito em como reconhecer um guru. Mas deve ter sempre em mente o que foi dito acima, perceber o que seja e o que não seja um guru. Não corra para achar um guru que venda “mantras” por dólares. Deus não pode ser comprado. Não fique cego atrás de “milagres”. Se você necessita de um mestre para a auto-realização, não se fixe num mestre de “magia” ou de “milagres”. Seja prudente ao pensar que, por ser necessário um guru para a auto-realização, então “não se deve fazer nenhum esforço no sentido da auto-realização”. Não é isso. Um indivíduo deve fazer todo auto-esforço possível para orar, ler livros, estar em boa e santa companhia, ouvir palestras espirituais e levar uma vida boa e moral. O hinduísmo afirma que quando um aspirante está pronto – pelo auto esforço, ele não tem que procurar um guru. Ao contrário, o guru virá a ele. Como um catalisador, esse guru o ajudará a tirar os véus das trevas da ignorância, protegendo o aspirante e, no seu devido tempo, o aspirante, por si mesmo, haverá de experimentar a infinda paz e a comovente auto-realização. Não se demora sendo a soma de conceitos intelectuais. Será a experiência própria!

DIVINAS ENCARNAÇÕES

Este capítulo foi escrito no dia de Natal, 25 de Dezembro de 1986, na pacífica ilha de Maui, no Hawai. Natal é o dia do nasci­mento de Jesus Cristo, tido pelos cristãos e outros como “O Filho de Deus”, ou seja, Ele é tido como uma Divina Encarnação ou Avatar. Portanto, hoje me pareceu o mais apropriado dia para escrever sobre Avatares ou Divinas Encarna­ções.

Um Avatar ou Divina Encarnação é a mais alta manifestação de Deus através do homem. Ele é o mestre de todos os mestres. Um Avatar é como o sol, Sua presença é suficiente para iluminar a humanidade. Um simples olhar Seu é suficiente para transfor­mar o vilão em santo. Onde um Avatar estiver presente, todo o ambiente se inundará de vibrações espirituais. Mesmo as monta­nhas e os rios parecerão cantar. As qualidades infinitas de Deus se condensam na forma humana de um Avatar. Somente os mais afortunados entre nós nascem e vivem durante o tempo de vida de um Avatar.

Como foi dito no capítulo “A Adoração de Imagens”, é virtual­mente impossível para alguém que não tenha atingido a auto-realização adorar ou visualizar Deus em seu estado não-manifestado. Por isso, muitas pessoas adoram Avatares como Rama ou Krishna. É difícil para um ser humano pensar em Deus de outra maneira que não seja em termos humanos. Portanto, se visualizarmos Deus em termos humanos é melhor adorar a mais alta manifestação de Deus em forma humana, ou seja, um Avatar.

A majestade, a bondade, o amor, o poder, a suavidade e inteli­gência de Deus estão todos presentes na forma humana do Avatar. Enquanto estivermos no corpo humano, seremos levados a pensar em Deus em termos humanos – como um rei sentado em celeste trono ou como um pai amoroso com fulgor ao redor da cabeça, tudo são formas humanas. Uma vez compreendido isso, não se criticará mais aqueles que adoram Deus nos Avata­res ou nas imagens. A não ser para uma pessoa auto-realizada, expressões tais como “o não-manifestado”, “o infinito”, “o onipotente” são palavras que não podem ser definidas por outras palavras, isto é, em termos humanos.

Como e por que vem um Avatar? O Guita dá uma resposta pode­rosa e direta: “Sempre que a virtude decai e a maldade prevalece, Eu manifesto a Mim mesmo. Para restabelecer a virtude, destruir o mal e proteger os bons, Eu venho de época em época”. Sempre que a humanidade se cansa da tirania e clama a uma só voz pela ajuda divina, o misericordioso Senhor se dá a Si mesmo. No campo de luta, um raio de esperança brilha no cora­ção humano, do mesmo modo que, depois de uma noite escura, o raiar do sol no horizonte causa regozijo no coração humano.

Quantas vezes vem um Avatar? Há um número limitado de Avata­res? É simples a resposta. Deus é infinito em Si mesmo. Seria infantil sugerir que pode haver somente um ou um número limi­tado de Avatares.

Vejamos em poucas palavras algo sobre os Avatares Rama e Krishna.

É reconhecido que Rama foi a encarnação da virtude, uma combinação única de super-força e super-delicadeza. Seu comportamento é modelo próprio para o comportamento humano. Enquanto ser humano, mesmo hinduísta ou não, deve-se ler o Ramayana, no qual se encontra a história de Rama. A vida de Rama serve como exemplo do correto comportamento de cada um em todas as circunstâncias particulares da vida, mesmo sendo um cristão ou muçulmano, sikhi ou hinduísta, sendo um profissional, político ou um soldado, ou um pai, filho, marido ou irmão. A serenidade, a doçura, a força de Rama, e como cada aspecto é aplicado por Rama em sua vida, deve ser estudado com mente imparcial para atingir o auge do êxito como ser humano.

Krishna é o amado Avatar de cada hindu. O amor a Krishna é encontrado em toda parte na Índia. A dedicação a Krishna não é restrita a certos movimentos ou sociedades. Krishna é o favorito das crianças e das pessoas de todas as idades, origens e níveis sociais.

Céu e Terra, ambos serão seus se você estudar, ler ou ouvir sobre Krishna no Bhagavad Guita – A Canção Divina. A resposta a todos os problemas do mundo é dada no pequeno grande livro de dezoito capítulos. Isto pode causar surpresa ao leitor que não esteja familiarizado com o Guita. Para conhecer por si mesmo o gosto de uma laranja, a melhor coisa a fazer é comê-la. O melhor caminho para descobrir o Guita é ler você mesmo o livro. O Guita de Krishna não é somente para hinduístas, mas para toda a humanidade. Se a pessoa tem fé, então nenhum problema ela tem no presente e, para tal pessoa, muito rara, o Guita pode não ser necessário; mas para todos os outros que se defrontam com a fome, doenças, temores, cólera, depressão e morte, o Guita é o máximo, é um dever conhecê-lo.

Mesmo quando criança, Krishna foi um garoto encantador, extremamente brincalhão. Suas danças e brincadeiras com Radha e as Gopis eram cheias de graça. Para certas mentes, as brincadeiras de Krishna em companhia feminina é um mistério e uma preocupação. Para o iluminado, o puro, é simplesmente Deus, brincando Consigo mesmo, com Sua própria Natureza em manifestação. Na mente humana há uma tendência para dividir tudo em masculino e feminino e, de acordo com essa inclinação humana, Deus é o pai, o único macho, e tudo o mais é feminino. O jogo de Krishna com as Gopis na beira do rio significa parte do jogo universal de Deus. Deus brinca consigo mesmo o tempo todo. O universo emanado, saído de Deus, está dentro de Deus. O Senhor, do mesmo modo que sua encarnação – Krishna, está brincando todo o tempo, dançando com sua própria “criação” que, por sua vez, é Ele mesmo. Neste mundo, devemos aprender a ver tudo como “o jogo de Deus”. O estudo das vidas dos Avatares e de seus ensinamentos indicar-nos-ão a direção reta para a auto-realização.

O que é auto-realização? Auto-realização é a íntima realização do indivíduo. Ou seja, ele realiza que o Deus eterno e o próprio indi­víduo são Um. Ou, segundo o Senhor Cristo, “Eu e meu Pai somos Um.” Eu e vocês somos Um. E é com essa realização que se ganha a eterna bênção.

No capítulo II, versículo 20, do Guita, afirma-se que “O Ser nunca nasce, nem morre. O Ser não É, pelo fato de “Vir a existir”. Ele É independente do passado e futuro, eterno, único; mesmo que o corpo esteja morto, a Alma não está!”

 

JNANA YOGA

Não há nada de místico ou mágico na palavra Yoga. Yoga significa simplesmente “união”, e neste contexto quer dizer “unidade com Deus”. Muitos subtítulos podem ser dados ao Yoga, mas o discutiremos sob três nomes:

• Jnana Yoga, que é o yoga do Conhecimento, da sabedoria do Ser.

• Karma Yoga, que é o yoga da Ação.

• Bhakti Yoga, que é o yoga da Devoção.

Deve-se entender que há muitas áreas em cada yoga que andam juntas, e é difícil praticar um só yoga exclusivamente. Também devemos nos prevenir sobre pessoas ou instituições que vendem “vários tipos de yoga a 500 dólares por cinco horas de instrução,” ou aqueles que encorajam estudantes a “deixar o apego” doando suas casas e todas suas posses para a institui­ção. Tais instituições não estão interessadas na união com Deus. Seu yoga é a união com o dinheiro!

Ainda que seja prudente e sábio aprender meditação de um guru qualificado, até que esse guru venha não é má idéia aprender a meditação do próprio autor do yoga, o Senhor Krishna. Recapitu­lemos o que Ele diz sobre o assunto no capítulo VI do Guita. Primeiro Ele diz que, para meditar, temos que escolher um lugar tranqüilo e ficar numa postura que seja ao mesmo tempo firme e confortável, na qual o peito, pescoço e cabeça permaneçam retos. A postura de “lótus” é a recomendada, sentando-se com as pernas cruzadas na dita postura sobre um cobertor e lençol estendidos no chão. Se as pessoas não estão acostumadas a isso, podem usar uma cadeira, de forma tal que as costas fiquem totalmente encostadas no respaldo. A posição deve estar de tal modo assentada, que seja possível esquecer do corpo.

A atenção deve ser focalizada no ponto entre as sobrancelhas, e assim deve-se sentar em meditação.

No início, a mente corre daqui para lá incessantemente e controlá-la parecerá impossível. Contudo, assim como as crianças que depois de correrem o dia todo vão para casa ao entar­decer, seus pensamentos depois de vaguear um tempo acalmar-se-ão também. Sinta-se como uma testemunha, como um observador somente. Não se preocupe se sua mente divagar. Arjuna perguntou ao Senhor Krishna como se pode obter o controle da mente, já que ela é turbulenta como o vento e, portanto muito difícil de controlar. O Senhor Krishna respondeu simplesmente que é pela prática que a mente pode ser contro­lada. Embora se tenha que criar um hábito regular de sentar-se para meditar, em breve a mais difícil façanha do mundo será sua: o controle da mente! Com isso vem um imenso poder de concentração. O poder de concentração é útil também para os assuntos do mundo, como os negócios. Quando a concentração é dirigida para Deus, então é chamada meditação. Se você necessita repetir uma palavra, medite sobre “OM”, que inclui os sons “AAA”, “UUU” e “MMM”, e simboliza o som do Divino Motor da criação, sustentação e destruição. Se você medita, lembre de levar uma vida regulada. Yoga não é para a pessoa que come demais ou come de menos, nem para quem dorme demais ou não dorme.

Agora, vejamos um resumo do Jnana Yoga ou yoga do conheci­mento.

Como já foi dito, não há mágica no yoga. O Yoga não contradiz a razão e o Jnana Yoga não é exceção a esta regra. O Jnana Yogue percorre uma série de perguntas e respostas a fim de achar a resposta à pergunta: “Quem sou eu?” Ele vai através de várias possibilidades dizendo a si mesmo: “Isto não, isto não”, e assim segue até chegar à conclusão que ele não é o corpo, não é a mente. Finalmente ele realiza que “Tu és Aquilo” ou “Eu sou Ele”. Chegando a esse estado, ele está contente em sentar-se e contemplar seu Ser. Senta-se, submerge em si mesmo com bem-aventurança. Deus é seu próprio Ser. Nada mais permanece a não ser Deus. Ele olha com igual respeito e amor para um erudito, um próspero homem de negócios, um mendigo, a um animal, um inseto porque eles são seu próprio Ser. Um Jnana Yogue acredita que ele É, simplesmente. Ele não age em absoluto, “mesmo tocando, ouvindo, vendo, cheirando” e assim por diante. Acredita firmemente que ele nada faz e que são simplesmente os sentidos que atuam nos respectivos objetos dos sentidos.

O Jnana Yoga não é de fácil prática porque requer uma pessoa de excepcional determinação e penetração. Sua alma deve querer ir além de todas as teorias para ver a Realidade tal como ela é, pela realização de sua identificação com o Ser universal. Um Jnana Yogue é mais que um filósofo.

Uma pequena história contada por Swami Vivekananda (primeiro sanyase a visitar o Ocidente) há de verter mais luz nesse assunto:

Dois pássaros pousam sobre uma árvore. Um deles está nos galhos mais altos e o outro, nos mais baixos. O pássaro que está no galho mais alto é calmo, silencioso e majestosamente absor­vido na glória de seu próprio Ser. O pássaro que está nos galhos mais baixos come frutas doces e amargas, pula de galho em galho e se torna feliz e infeliz a cada momento. De vez em quando, ele come uma fruta excepcionalmente amarga, ficando muito aborrecido com sua vida. Então, ele olha para cima e vê o sereno e maravilhoso pássaro que não come as frutas doces nem amargas, e assim não sente as flutuações entre felicidade e infe­licidade, que nada vê além de seu próprio Ser. O pássaro de baixo suspira por essa condição mas, como todos nós, nova­mente se envolve na sua rotina diária, comendo os frutos doces e amargos. Continuamente este pássaro tem problemas e olha para o pássaro lá em cima, mas sempre retorna à sua vida roti­neira de prazer e dor, até que um dia sofre com um temporal muito forte e então faz um redobrado esforço e sobe cada vez mais alto na direção do pássaro pousado na rama mais alta da árvore.

Logo o brilho do corpo daquele pássaro envolve o outro, que sente uma mudança e começa a “fundir-se”, a unificar-se. Eleva-se ainda mais quando, afinal, entende – ao ter-se unificado totalmente – que ele sempre foi o pássaro de cima e que o pássaro que vivia em baixo era nada mais que a essência ou reflexo do pássaro que vivia no alto. O fato de comer frutos doces e amargos e chorar e ser feliz era tudo um sonho, já que durante todo o tempo o pássaro real estava lá em cima, glorioso e majestoso, acima de toda tristeza.

O pássaro de cima é Deus, Senhor deste sonho-universo, e o pássaro de baixo é a alma humana.

Cada tipo de yoga corresponde a um determinado temperamento e constituição da pessoa. Enquanto o yoga do Conhecimento é apropriado para alguns, o yoga da ação – Karma Yoga – é consi­derado mais fácil de praticar. No seguinte e penúltimo capítulo, tratar-se-á de Karma Yoga, unificação com Deus pela ação – sacrifício.

KARMA YOGA

Todos nós estamos ocupados na ação (Karma).Pelo menos para manter o corpo, a ação é necessária. Muitos de nós não estão inclinados à filosofia, então Jnana Yoga está fora de nossos cui­dados. Muitos de nós não são emocionalmente inclinados ao Bhakti Yoga, assim este está fora de cogitação para nós. Toda­via, enquanto tivermos corpo deveremos agir, e a auto-realização pode ser obtida também pela ação (Karma Yoga). De fato, somente os métodos diferem. Quanto ao resultado último, a auto-realização, tanto Jnana Yoga como Karma Yoga e Bhakti Yoga, são todos um.

Ação é uma palavra que encerra complexidade, ainda que não pareça. O Senhor Krishna, no capítulo IV, versículo 18 do Guita, diz: “Aquele que vê inação na ação é um sábio entre os homens, ele é um yogue que cumpriu toda ação.” Isto parece difícil de entender, mas à medida que avançarmos neste capítulo, o sentido irá se aclarando.

Tomemos como exemplo uma pessoa que se compromete a jejuar, e faz voto de não comer um dia por semana. Jejuar um dia é muito bom para a saúde, pois desintoxica não só o corpo como também a mente. Mas, se no dia em que você jejua sua mente fica pensando constantemente em comida, seguramente seu jejum é hipócrita, porque nesse dia você pensa muito mais do que você o faria habitualmente, e isto inverte o processo.

Antes de entrar na verdadeira essência do Karma Yoga, deve­mos lembrar que nós temos o dever de agir. Por que? Nós recebemos constantemente benefícios da natureza, como a água, ar, frutos, etc., e recebemos ajuda também de outras pessoas, como educação, dinheiro, cuidados, etc.. Se continu­amos a tomar sem retribuir, certamente não somos melhores que ladrões. A pessoa não deve evitar seu dever. Deve, pelo contrá­rio, cumpri-lo. A ação feita em benefício dos outros é considerada sacrifício. Os grilhões causados pela reação do karma não atingem as pessoas que cumprem seu dever sem apego aos resultados ou frutos da ação. De fato, mesmo sobre a comida, o versículo 13 do capítulo III do Guita diz que: “Os virtu­osos que compartem as sobras do sacrifício – depois de ter alimentado os outros – são absolvidos de todos os pecados. Os pecaminosos, que cozinham só para alimentar seu próprio corpo, comem somente pecado.” Que grande conceito este! Se mais pessoas realizassem a verdade deste conceito, a fome e a misé­ria seriam eliminadas deste mundo.

Em poucas palavras discutiremos a essência de Karma Yoga, que é a ação sem apego, mas, antes, uma palavra final do por quê devemos nos ocupar com a correta ação.

É da natureza humana imitar o que os outros fazem. Assim começou a moda e assim é como os hábitos bons e maus são adquiridos. Suponhamos que um pai beba, fume e use uma linguagem abusiva em casa. Naturalmente os filhos não terão hábitos diferentes daqueles pelos quais são influenciados em sua casa. Se a mãe e o pai praticam caridade, levam uma vida asseada e regularmente sentam para orar, é perfeitamente possível que os filhos tenham também esses bons hábitos. Portanto, se uma pessoa quer fazer o bem a outras, pode conseguir isso, e não é por fazer grandes discursos, mas por cumprir devidamente suas ações e dar exemplo com sua atitude.

Toda ação produz conhecimento. Vejamos agora que tipos de ação produzem o conhecimento de Deus. O fundamento do Karma Yoga consiste na habilidade de separar a ação de seu fruto ou resultado. Acontece freqüentemente que, embora você faça o bem a outros, quase sempre, senão sempre, você em troca recebe ingratidão, abuso de confiança e críticas. Por isso, ao pensar em ajudar alguém, você teme o resultado. Muitas vezes você se abstém totalmente de fazê-lo. Desta maneira, a pessoa que necessita de ajuda não será ajudada, e você se priva do sentimento bom que inevitavelmente se tem quando se ajuda os outros. O Karma Yoga requer desapego na ação. O resultado ou fruto da ação deve ser deixado de lado e, assim, o próprio Karma mesmo toma conta dele.

Isto não significa que o Karma Yogue aja irracionalmente ou sem motivo . Suponhamos que um pai tenha que trabalhar para sustentar sua família, e assim ele trabalha com esse propósito. Ele sabe que é dever do empregador pagar por seu trabalho. Uma vez que ele renuncie, em sua mente, ao fruto de suas ações, não ficará indevidamente alegre por receber seu pagamento, e também não ficará triste se seu patrão estiver falido e impossibilitado de pagar-lhe por duas semanas de trabalho. Por outro lado, se seus filhos apreciam o que ele faz por eles, isto é bom. Do contrário, não se preocupa com isso, porque ele cumpre seu dever o melhor possível, sem esperar algo como retorno. Karma yogue é aquele que somente dá. Ele não toma, dá. Quando se desiste do resultado das ações, imediatamente se obtém total paz na mente.A mente pacificada leva à auto-realização. Só quando a água está serena é que se pode ver claramente o reflexo da lua. Assim, a mente pacificada tem a habilidade de refletir claramente a verdade de Deus.

Concluímos este capítulo com o Capítulo V, versículo 17, e a primeira parte do versículo 12 do Guita que diz: “O karma yogue cumpre a ação somente com seus sentidos, mente, intelecto e corpo, retirando o sentimento de “meu” a respeito deles, e sacode fora o apego, simplesmente pela auto-purificação da mente. Ao oferecer o fruto da ação a Deus, o karma yogue obtém paz e a suprema realização de Deus.

BHAKTI YOGA

Deste Yoga se diz que é próprio para a pessoa de temperamento emocional. Nesse yoga a pessoa trata de obter a auto-realização pela exclusiva devoção a Deus e às vezes, sua devoção parece aos outros quase loucura. Mas a verdade é que o mundo estaria em melhor situação se mais pessoas tivessem essa loucura. Ademais, essa loucura jamais levou alguém a nenhum manicô­mio.

Você já amou alguma vez? A pessoa que ama está absorvida pelo pensamento no seu bem-amado. Pode assistir a um jogo de futebol, mas tudo o que pode ver no campo é a forma de seu amado. Pode estar no cinema, mas o único que vê na tela é a imagem de seu amado. Isto é devoção, mas muito maior é a devoção do Bhakta – devoto de Deus. Um devoto vê uma bela flor e de imediato se reporta ao seu Autor e explode numa canção devocional. Ele se deleita adorando Deus nos Bhajans (cânticos devocionais) e nas cerimônias em que, cheio de amor oferece a Deus flores, doces, etc.. Ele é um homem enamorado, enamo­rado da mais alta Realidade! Alguns “filósofos” criticam tais pessoas devocionais. O único resultado de suas críticas, porém é o de expor a sua ignorância. Sri Ramakrishna, o guru de Swami Vivekananda, foi um devoto do aspecto da Mãe Deus. O proce­dimento deste Mestre também foi o de um “homem louco”. As pessoas que o conheceram, inclusive o grande Swami Vivekananda, sabiam que Sri Ramakrishna não era louco embora amasse loucamente a Deus – disso ninguém duvidava.

Para um Bhakta, Deus é amor e amor é Deus. Ele vê o amor de Deus em toda parte – no aperto de mão de dois amigos, no abraço da mãe a seu filho, no despontar do sol, e assim por diante. Um amigo pode ficar aborrecido com o devoto, mas este lhe dirá: “Você pode esquecer-me, mas, meu amigo, estou amando. Eu só posso ver Deus em você, e é impossível para mim não amar você.”

Um devoto Bhakta sabe de sua unidade com Deus.

Contudo, pelo bem de sua adoração, pelo bem de seu amor, ele conserva a pretensa dualidade. Ele se distancia um pouco de Deus a fim de poder adorar e venerar a Deus.

Você deve se lembrar que, mesmo sendo um Jnana Yogue, um Karma Yogue ou um devoto – ao mesmo tempo ou separada­mente de qualquer um deles – é preciso brotar em você essa exclusiva e ávida paixão por Deus.

Em outras palavras, uma penetrante e absoluta devoção por Deus deve brotar em você. Auto-realização é, afinal, um presente de Deus. Mas, por outro lado, não se pode obter a auto-realização sem tal devoção, tal desejo ardente ou sem essa sede, não importando qual destes sentimentos o aproximam de Deus.

O capítulo XII do Guita trata de Bhakti Yoga e aqui estão os poucos e finais versículos deste capítulo. Os versículos 13 a 20 descrevem a mansidão e doçura, a vida equilibrada, a auto-submissão e o amor do devoto, e o quanto tal devoto é querido do Senhor: “Aquele que não tem malícia com ninguém, que é amigo e compassivo com todos, que não tem sentimento de “meu”, e está livre do egoísmo; aquele para quem o prazer e a dor são iguais, que por natureza perdoa, que está sempre contente e mentalmente unido a Mim, que controlou seu corpo, mente e sentidos e tem firme determinação, que submeteu sua mente e intelecto a Mim – este devoto Meu, Me é muito querido.” (Vers. 13/14)

“Aquele que não é uma fonte de aborrecimento para o mundo, e que nunca se sente ofendido com o mundo, que está acima de prazeres e ira, de perturbação e medo, ele é querido para Mim.”(15)

“Aquele que nada almeja, que interna e externamente é puro, hábil e imparcial, e tem superado todas as distrações, que renuncia ao sentimento de “fazedor” que tudo empreende, este devoto é meu querido.” (16)

“Aquele que não se regozija nem odeia, não se lamenta nem deseja, que renuncia ao bem e ao mal e está cheio de devoção para Mim, é meu querido.”(17)

“Aquele que é equânime com o amigo e o inimigo, na honra e na ignomínia, no calor e no frio, na alegria e na tristeza etc., e é desa­pegado; que toma de igual maneira o elogio e a reprovação, que é dado à contemplação e fica contente com o que vier sem ter pedido, sem apego ao lar, com mente estabelecida em mim e muito devoto meu, esse é meu querido.”(18 e 19)

“Aqueles que participam inteiramente deste néctar de sabedoria piedosa, que estão dotados de fé e são devotados exclusivamente a Mim, esses devotos são extremamente queridos para Mim.” (20)

Estou chegando ao fim deste texto “Introdução ao Hinduísmo” e só tenho admiração pelo leitor – se ele ou ela é hindu ou não – por ter-me acompanhado ao longo deste humilde trabalho.

Para toda pessoa, sua religião é como sua própria mãe. Não importa o tanto de beleza que outra mulher possa ter, não se substitui nossa mãe por essa mulher. O hinduísmo não é uma religião missionária. Se o leitor for hindu, o hinduísmo pede ao leitor que seja um hindu melhor. Se for cristão ou muçulmano, então que seja melhor cristão ou muçulmano.

Há diferenças religiosas, como é natural, mas só um Deus. Pela paz e compreensão entre todas as religiões e pelo propósito de ter Deus na vanguarda de nossas vidas, finalizarei este capítulo com uma história escrita pelo santo dos santos, Swami Tilak – discípulo de Sua Santidade Baba Bajarangadasji Maharaj, e meu amigo:

“Altas horas da noite, enquanto o monge estava em meditação, algo insólito acontecia… os copos à sua frente começaram a falar. Cada um gabava-se de sua grandeza, até que a água que estava dentro disse:

– Tolos! Não sejam tão orgulhosos de vocês próprios, pois são apenas recipientes; o conteúdo sou eu. Nenhum recipiente é amado por ser recipiente, mas é amado pelo seu conteúdo.

No monge surgiu reveladora e notável verdade: “As religiões são os receptáculos, e Deus o conteúdo. Pelo zelo de conservar bem esses receptáculos, não se deve jogar fora o conteúdo.”

OM PAZ, PAZ, PAZ.

Naren Nagin, além de escritor e conferencista de temas ligados à espiritualidade é também advogado. N.Nagin vive em Vancouver – Canadá

Nota JM – As palavras Consciência, Verdade, Todo e Realidade quando grafadas com a inicial maiúscula são aqui utilizadas como sinônimos da palavra Deus.

monastério

Nota JM – Conhecimento com “C” maiúsculo transcende àquele que advém da mera informação, refere-se ao conhecimento do Ser, através da experiência direta.