KARMA YOGA -Palestra agosto 1983

KARMA YOGA, OU YOGA DA AÇÃO

Swami Tilak

O mundo é um grande campo, e a vida, uma luta interminável. Aqui todos lutam o tempo todo. Não há nenhum momento no qual o ser vivente não lute contra as forças destruidoras.
A guerra contra a morte, contra o tempo, contra o espaço, contra as incapacidades e enfermidades, contra as misérias e desalentos é uma parte inseparável da história da vida. A inveja, os ciúmes, o ódio, o zangar, a cobiça e o apego são os inimigos interiores contra os quais se deve lutar incessantemente.
A viagem da vida começa com um pranto. Os biólogos dizem que esse pranto é essencial para o primeiro alento da vida. Sem ele os pulmões não podem respirar. Parece que chorar e gritar são os companheiros permanentes do homem. Sai do útero chorando e gritando e entra no sepulcro chorando e gritando. Ao longo de todos os dias de sua vida, o pobre ser humano ocupa-se de encher um oceano de lágrimas.
Os demais não entendem a criança: o primeiro pranto da vida dá uma grande alegria a todos. Os pais dizem: “temos um filho”. Os parentes exclamam: “nasceu nosso parente”.
O homem sempre ri do homem sofrido, mas quando este abandona o teatro terreno, o outro chora a lágrima viva. Em suma, os mortos dormem, e os vivos choram. O homem vivente ainda tem que resolver o problema de suas lágrimas. A ciência avançou muito, mas neste campo nenhum êxito tem.
Certa vez na Índia eu dei uma conferência num Colégio de Tecnologia. Depois da conferência, o Diretor do Colégio disse-me: “Swami, sua filosofia é muito boa, mas de muito pouco serve nesta época tecnológica”. Eu repliquei: “Amigo meu, tenho grande admiração pelo progresso tecnológico. Certamente, a tecnologia tem servido ao homem de várias maneiras, mas faço-lhe uma pergunta muito simples: suponhamos que uma mãe perde seu único filho e chora terrivelmente; existe algo em sua tecnologia que possa secar suas lágrimas? Você poderá levá-la à lua, mas ela lhe perguntará se poderia encontrar lá o seu filho. Essa pergunta perturba você. Sua tecnologia pode levar um homem vivente à lua, mas não pode trazer de lá as almas viventes que possam ressuscitar os defuntos. A esse respeito, o homem moderno também está lutando contra a morte como o homem primitivo também lutava. Sempre necessitamos uma filosofia que nos possa dar o conceito verdadeiro da vida e a fortaleza para vencer o peso que envenena a beleza da vida”.
De certo que o mundo é um campo de batalha, e nós, os guerreiros. Não se pode viver sem aprender a arte de combater. Não estou mencionando a guerra do Vietnã ou da Coréia e intermináveis outras que se sucedem, mas falo sobre a guerra interminável e contínua do mundo interior que de vez em quando se reflete como explosão exterior.
Temos de nos dar conta de que todas as células, durante todo o tempo, lutam pela continuidade de nossa vida! Não poderíamos viver, ainda que por um segundo, se nosso coração não lutasse. Mesmo quando descansamos, ele age, cumpre seu trabalho. Cada batida sua é o anúncio de uma guerra cósmica. Nossa mente, com seus pensamentos inumeráveis, também luta durante o dia e a noite toda.
O Senhor Krishna diz: “Não há momento algum que se possa permanecer sem agir”. Sem dúvida todos agem, mesmo que com desamparo, segundo sua natureza. Fugir não é emancipar-se. A covardia não é nenhuma solução.
A observação de nós mesmos pode convencer-nos de que o mundo está terrivelmente ativo. Não podemos imaginar um mundo em que não haja alguma atividade. Em nosso mundo, todas as coisas estão ativas; mesmo as coisas que aparentemente estão inativas, em verdade não estão.
Por exemplo, vendo-me falar, uma pessoa pode concluir que eu esteja muito inquieto e que eu não possa ficar calmo. Também pode concluir que a parede do auditório esteja muito quieta. Isto é certo externamente, mas não internamente. Os estudantes de física sabem que milhões de átomos constituem esta parede e que, em cada átomo, os elétrons se projetam, incansável e interminavelmente ao redor dos prótons, como a terra ao redor do sol. Os carros, aviões, os foguetes e até nossos corações podem parar, mas os elétrons não param, como pode estar inativo o átomo? E ao estar o átomo tão ativo, como pode estar inativa a parede? Em suma, o mundo é um ciclo infinito de atividade.
Recordemos as palavras do Senhor Krishna: “Toda ação é feita pelos atributos da natureza, mas o homem que sofre de egoísmo, crê que é ele que faz as ações”. (B.G.III/21)
Sem dúvida, ninguém, exceto a natureza universal, atua, e quando essa natureza universal passa pela individualidade, parece ser a natureza individual. Por isso tudo age segundo a sua natureza. Assim, o átomo age segundo sua natureza, você, segundo a sua, e eu, segundo a minha. Então, em verdade, o elétron não age, nem você, nem eu. Simplesmente são as nossas naturezas que agem.
Por exemplo: aqui temos um ventilador girando. Eu pergunto a vocês: o que faz o ventilador girar? Podem dizer-me que é a eletricidade; mas isso não é correto nem lógico. Se a presença da eletricidade fosse suficiente para o mover, só a presença da eletricidade também faria mover todas as coisas. Mas isso não é assim. A lâmpada, por exemplo, não se move com a presença da eletricidade, mas se ilumina. Qual o porquê disso?
Existem duas coisas: uma, a eletricidade, e outra, o arranjo ou mecanismo interno dos aparelhos, como no exemplo do ventilador e da lâmpada. A eletricidade sozinha não funciona; o mecanismo sozinho não pode funcionar. O poder real está na eletricidade, mas o mecanismo do aparelho usa o poder segundo sua natureza. A natureza do aparelho extrai da eletricidade multi-poderosa o poder particular, segundo sua própria necessidade. A eletricidade não provém da natureza do aparelho para extrair seu poder, nem intervém em sua função e nem é afetada pela ação do aparelho. Então temos aquilo que permanece oculto na aparência, ou seja, ação na inação, e inação na ação! Que milagre tão grande! Isso produz, gera, e nada mais é que Maya. Maya significa o que é “sim” e “não” simplesmente.
O Macrocosmo e o Microcosmo seguem o mesmo princípio; os dois são instrumentos do Espírito. Em relação ao Universo, o Espírito se chama “Deus”; e em relação ao indivíduo, “Ser”. Deus é o Senhor do Universo, e o Ser, o da individualidade, que está presente em forma de corpo, sentidos, mente, intelecto e ego. Sem dúvida, o homem é feito à imagem de Deus. Deus e o Ser estão além do Universo e da individualidade. Portanto, é a natureza do Universo e da individualidade que age, mas age com o poder que o Espírito lhe infunde!
Embora a eletricidade simplesmente dê o poder à lâmpada e ao ventilador, a luz e o movimento podem chamar-se uma manifestação dela. O processo da manifestação pode ser considerado como a natureza não-transcendental, e a natureza da eletricidade pura, transcendental. Assim também, e de uma maneira uniforme, todas as individualidades e todo o Universo podem se chamar uma manifestação do Espírito, uma manifestação de Deus e do Ser.
O Espírito é um, e a Natureza é uma também. Na verdade, a Natureza é um jogo do Espírito. O Espírito é o Ser Supremo. Em sânscrito se diz “Purusha”.
“… O que é chamado como o Testemunho, o Sancionador, o Mantenedor, o Experimentador, o Grande Senhor e também o Atman Supremo, isso é Purusha. Apesar de estar no corpo9, ele transcende tudo”. (B.G. XIII/22)
Aquele que sabe isso, nenhuma preocupação tem. Todo ciclo de ação é simplesmente um resultado das ações e reações dos atributos da Natureza, resultado sobre outro resultado. O Ser permanece como um catalisador; sem ele nada se pode fazer, mas também nada pode afetá-lo. Por exemplo, se uma pessoa se fere com as hélices de um ventilador em funcionamento; quem é o responsável por isso? A eletricidade ou o ventilador? Não podemos dizer que a eletricidade foi que a feriu, pelo fato de o ventilador depender da eletricidade para funcionar. Da mesma maneira, o Ser não é responsável por nenhuma ação corporal; mas nenhuma ação corporal é possível sem o poder do Ser.
Agora está claro que o Ser sempre é emancipado e que não necessita obter emancipação, a emancipação é sua natureza. Mas a mente tem uma grande dificuldade: ora se identifica com uma coisa ora com outra e assim começa a sofrer. A mente é a causa real da liberação ou da escravidão. A liberação ou a escravidão da mente é na realidade toda libertação ou escravidão. O Yoga conduz à liberação da mente.
“Sem dúvida, ó Arjuna! A mente é volúvel e difícil de controlar; no entanto, pode ser sujeita ao controle por meio de uma prática constante e pelo desapego. Sem o autocontrole, o Yoga é difícil de se alcançar, mas a alma disciplinada pode consegui-lo se se esforça por isso, com os meios apropriados” (B.G. VI/36).
Quando a mente se identifica com o corpo, ela se superpõe à natureza do corpo. Mas quando a mente se identifica com o Ser, realiza a liberação da natureza corporal. A mente é a causa da dualidade aparente.
O “Filho de Deus” e o “Filho do Homem” são dois aspectos do mesmo Cristo. A crucificação do “Filho do Homem” resulta na ressurreição do “Filho de Deus”. A mente do Ser humano deve aprender a identificar-se com o Ser Supremo.
O Yoga trata de resolver o problema em todos seus níveis. Aquele que identifica a si mesmo com a individualidade necessita um tipo de Yoga, e quem se identifica com o Ser Universal necessita outro. O primeiro deve praticar o Karma Yoga, enquanto que o segundo, o Samkhya ou Jnana Yoga. No Bhakti Yoga está a assimilação maravilhosa dos dois. “Karma” significa “ação”; “Jnana”, “sabedoria”; e “Bhakti”, “devoção”. Além desses há outros tipos de Yoga, como Raja Yoga, Hatha Yoga e Prema Yoga.
Por enquanto, concentremo-nos no Karma Yoga. O Karma Yoga, como já disse, é o yoga da ação. A ação é uma propriedade da individualidade. Quem tiver o sentido da individualidade não pode menos que agir, e cada ação, invariavelmente traz um resultado. A ação tem dois extremos: causa e efeito. Entre os dois está a ação. Quando se começa a atuar semeia-se a semente, e a árvore da ação invariavelmente dá o fruto. É um processo muito natural. Mas a dificuldade surge quando se espera um fruto em particular e este não chega segundo sua expectativa. Diz-se que “se os desejos fossem cavalos, até os mendigos os montariam”. Quando os desejos não se realizam, o homem se desilude. Esquece as palavras imortais do Senhor Krishna: “Só a ação é tua obrigação. Jamais seus frutos te são devidos. Que o fruto da ação não seja teu objetivo, mas nem por isso deves evitar a ação. Age só pelo agir em si mesmo”. (B.G. II/47).
Cristo diz, maravilhosamente, isso também, embora em linguagem diferente: “Quando deres esmola, não saiba tua mão esquerda o que faz a mão direita, para que tua esmola seja oculta”.
O fruto ou resultado vem segundo a natureza da ação, que é dirigida pela Natureza Universal. Mas quem o deseja ou fica na expectativa, com frequência não percebe ou não sabe o curso da Natureza. Assim um vazio se cria entre a Natureza e a atitude mental de espera. Esse vazio causa um sofrimento terrível, que se pode chamar cansaço. Devemos estabelecer a paridade entre os dois. Não podemos mudar a natureza da ação, somente podemos renunciar a nossos desejos. Portanto, o Karma Yoga insiste na ação sem desejo. A renúncia do desejo é a renúncia verdadeira!
Suponhamos que alguém me oferece uma comida muito apetitosa, e o sabor dela faz-me crer que o excesso de comida me dará excesso de energia. Ora, que expectativa tão boa! Com tal excelente expectativa como abundantemente. Depois de comer, sinto o prazer e meu paladar está satisfeito. Mas no dia seguinte, estou em apuros, tenho dor de estômago e sofro muitíssimo. O estômago não tem consideração alguma por meu desejo e segue sua natureza.
Isso mostra que estamos prontos a criar expectativas, mas não dedicamos nenhum tempo para estudar a natureza da ação. Quem age em harmonia com a natureza da ação, não se preocupa pelo fruto, pois este sempre está de acordo com a natureza da ação. Não cabe dúvida que o fruto é uma sombra da ação. A sombra nos seguirá, não temos que a seguir. Além disso, quem não age apropriadamente e tem desejos, invariavelmente é desiludido. Então, por qualquer ângulo que analisemos o problema, sempre chegamos à mesma conclusão: os desejos e as expectativas não nos fazem felizes! Os Napoleões que creem que nenhuma impossibilidade há no campo do desejo, finalmente sofrem na ilha da decepção!
Muitos estudantes não estudam apropriadamente, gastam seu tempo no cinema e nas ruas ou declaram-se em greve. Quando chegam os exames, estudam vinte e quatro horas do dia, sem parar, não comem nem dormem e isto afeta notoriamente sua saúde. Quando estão perto das classificações, seus corações batem aceleradamente. Caso as classificações não sejam favoráveis, muitos deles se suicidam, e alguns culpam os professores ou os examinadores. Oxalá se possa dar conta de que ninguém exceto a gente mesmo é responsável por nosso destino! Os sofrimentos e as alegrias são criação de nós mesmos. Pode-se aceitar ou descartar ambas as coisas, mas não se pode aceitar uma e descartar outra. Um Yogue tem o equilíbrio perfeito. “Não é perturbado pelos pesares e nem almeja as alegrias; está livre de paixões, medo e ira”.
Há dois tipos de homem: o Yogue e o Bhogue. O Yogue é aquele que pratica o Yoga, e o Bhogue é aquele que gosta dos prazeres sensuais. Um Bhogue dorme durante a hora de trabalhar e chora quando o fruto não chega; enquanto que um Yogue trabalha incessantemente durante a hora de trabalhar e dorme profundamente quando frutificam suas ações.
De certo, a ansiedade pelo fruto afeta de maneira adversa o curso da ação. Quando criança, eu semeava e cada dia tirava as sementes da terra para ver seu crescimento. Qual o resultado? Nunca semente alguma brotava. Em vez de preocupar-me pelo seu crescimento, deveria ter semeado mais sementes; e eu teria sido beneficiado duplamente.
A ineficácia e a indolência não cabem no Karma Yoga. As pessoas indolentes e ineficazes são facilmente tomadas por sentimentos de ciúmes, ódio e inveja. Sempre responsabilizam os outros por seus fracassos. Não percebem que o fracasso e o êxito são o resultado de suas próprias ações. Nenhuma utilidade há em culpar a Deus, ao destino ou a outras pessoas pelo que a gente mesmo cria.
Deve-se aprender a rir da própria derrota. Nos momentos de êxito, qualquer pessoa pode animar-se, mas nos momentos de derrota, só um Yogue pode manter seu espírito alto. Ninguém, exceto a profundidade do oceano tem a serenidade divina no meio do fluxo e refluxo das ondas.
Agora podemos compreender que o Karma Yoga não é simplesmente a justificação da ação física; é uma ciência e uma arte que dá exatidão à ação e tranquilidade a quem atua. A atividade é natural; e como uma parte do Universo, nossa existência individual tem que agir. Mas quando agimos com determinação, a atividade converte-se em ação. A determinação é uma faculdade da mente. Também temos o intelecto que nos ajuda a discriminar o bem e o mal.
Essa ação ajuizada chama-se Dharma. Algumas vezes a palavra Dharma traduz-se como sendo “Religião”, mas isso de muito pouco serve. De fato, nenhuma palavra há nos idiomas existentes fora da Índia, que possa dar o significado completo do Dharma. Dharma é a ciência divina do Ser Universal, a sabedoria de Deus, a arte da vida, o código das leis universais, o caminho da virtude. É o Dharma que explica a relação entre a universalidade e a individualidade. Quem age contra as leis universais convida o infortúnio.
Atualmente as pessoas falam muito sobre a natureza, mas não a relacionam com a Natureza Universal. Quando uma pessoa como eu explica a importância do autocontrole, as pessoas dizem: “Swami, Deus nos deu o sexo, por que não o usar? Por que impormos qualquer tipo de restrição a ele? ”. “Vocês podem usar seu sexo como queiram, mas lembrem-se de que os prazeres indisciplinados culminam nos sofrimentos ilimitados”.
No Universo onde todas as coisas são governadas pelas leis universais, nenhuma pessoa tem a liberdade de proceder como quiser.
A ação que não estiver em conformidade com o plano da Natureza, é muita desastrosa.
As leis naturais impõem certas limitações a todos os indivíduos. Um indivíduo tem a liberdade de andar dentro de seus limites, mas quando sai deles, se confronta com a oposição de todas as forças naturais, e as leis naturais não são simplesmente restritivas, elas também têm a virtude de proteger. Às pessoas cuja razão foi afetada por sua paixão, a proteção maternal parece-lhes uma restrição injustificável. Rebelam-se contra ela, sem dar-se conta de que nenhuma vida é possível sem a pressão atmosférica. Se a gente não quer que o sangue arrebente as veias, deve alegrar-se de ter esta pressão. Na realidade, a pressão atmosférica nenhuma pressão é; é uma necessidade inevitável. Devemos aprender a respeitar a Mãe Universal, a Natureza. É o Dharma.
Antes de agir devemos conhecer os Dharmas de nossos sentidos. Que se deve ouvir? Que se deve falar, conhecer, ver? São as coisas que temos que saber. É o seu Dharma – nosso Dharma. Assim como as obras da Física revelam-nos suas leis, assim também as Escrituras Sagradas nos revelam as leis eternas do Dharma. Nenhuma obra da física pode criar as leis da Física e nenhuma Escritura pode criar as leis do Dharma. Os cientistas, os profetas, os Rishis, os Avatares e os Arhats, investigam a Verdade por sua inteligência microscópica e telescópica e a nós revelam para que não sejamos privados do benefício da natureza.
Mas quando agimos segundo nosso Dharma nos achamos numa situação muito difícil, pois nossos interesses frequentemente parecem afetados, então não sabemos o que fazer. Umas vezes tratamos de agir contra o Dharma e outras pensamos em renunciar ao curso da ação. Os dois pensamentos são indesejáveis. O primeiro, nos faz perdedores, e o outro, hipócritas.
Ora, se ninguém pode permanecer sem agir, como se pode renunciar à ação? Com o pretexto de renúncia à ação, simplesmente rendemo-nos ao Adharma, ao Mal. Para evitar o pecado e a hipocrisia temos somente um recurso: o recurso da ação sem o desejo. A renúncia do desejo do fruto da ação é a renúncia verdadeira. Ora, é claro que nós não agimos meramente para alegrar-nos. Na realidade nossas ações são para cumprir o ciclo da criação; nossa alegria é um produto natural dele. Demo-nos conta de que nós, como seres individuais, estamos aqui para desempenhar os papéis particulares que nos têm sido dados pela Natureza. Um ator necessita duas qualidades muito grandes para atuar: por um lado, de identificar-se perfeitamente com seu papel, e por outro, nunca deve deixar que sua mente se apegue a qualquer coisa que aconteça no drama. De todas as maneiras um ator não é a pessoa cujo papel ele desempenha.
Um ator famoso desempenhou o papel de Napoleão e seu desempenho foi tão vívido, que os espectadores sentiram como se ele próprio fosse realmente o Napoleão. Conquistando muitos impérios e perdendo outros tantos. Afinal, teve que passar seus últimos anos na ilha de Elba, com grande desencanto e tristeza. Nessa altura o drama terminou. Em seguida surgiu uma dificuldade muito séria, o ator delirou e começou a chorar e a gritar dizendo: “Ó meu Deus! Morro de tristeza. Meu império se perde”. Que ilusão tão grande! O Diretor do drama riu às gargalhadas dizendo: “Homem, tudo foi um drama! A perda e o ganho nada tinham a ver contigo; pertenciam à natureza do drama!”.
Assim também o mundo é um drama. Aqui nenhuma perda há, nem ganho algum. Não ganhamos nem perdemos nunca. Tudo o que acontece é uma grande ilusão, um esporte da Natureza. A Natureza nos dá um papel particular e temos que representá-lo com grande sinceridade.
Se formos o Napoleão, atuemos como Napoleão. Se Níxon, conduzamo-nos como Nixon. Mas sempre devemos ficar convictos de que os impérios e as presidências não mudam nossa Natureza Real.
Agora por exemplo o Senhor Reagan é o Presidente dos Estados Unidos. Não significa isso que ele É Presidente; simplesmente está representando o papel de Presidente. A Presidência é um cargo, muitas pessoas antes dele o ocuparam e muitas depois o ocuparão. As pessoas vêm e vão, mas a Presidência fica. Não cabe dúvida de que a relação entre Reagan e a Presidência é momentânea. Antes de ser eleito Presidente, era um homem, e depois, seguirá sendo um homem; então agora também é um homem.
Igualmente, no mundo há muitíssimos cargos criados pela Natureza. Deus envia de quando em quando um ser ou outro para ocupá-los. A maternidade, a paternidade, fraternidade, feminilidade, masculinidade e assim sucessivamente, são os encargos. Uma pessoa pode dizer que é o pai ou a mãe, irmão ou irmã, esposo ou esposa, mas não deve esquecer que nada mais é que a representação de um ou outro papel. Sem dúvida nenhuma especialidade há em seus papéis. Inumeráveis seres já os representaram. O drama continuará no futuro também. Quem desempenha seu papel com sinceridade, mas sem desejo, faz o mundo e a si mesmo feliz.
Muita gente tem dúvida sobre a ação sem desejo e sempre pergunta: “Como se pode atuar sem desejar? Quem não tem desejo algum, por acaso moveria um dedo sequer?” Sim, pode-se atuar sem desejo, mas não sem o motivo. O desejo está relacionado com o fruto, enquanto que o motivo está relacionado com a ação.
Desejamos o resultado de nossa ação, sem nos motivar para fazer tal ou qual ação. O desejo cria esperança, mas o motivo nos faz atuar. O desejo segue depois da ação, mas o motivo nos faz agir e termina com o término da ação. O Karma Yoga nos adverte contra a tendência do desejo do fruto da ação, mas inspira-nos a agir com um bom motivo definido.
É praticamente impossível mudar a natureza do fruto, porque está invariavelmente relacionada com a ação que se praticou no passado. Nenhum método há para alterar a ação passada e suas consequências. Portanto, a preocupação pelo fruto da ação é ilógica. Quem cumpre com atenção e com vigor seu dever, esse é abençoado! Deus e a Natureza o cuidam! E a liberação de toda a preocupação é seu destino!
Antes de disparar a flecha, quem dispara deve ter muito cuidado; mas depois de projetada nada se pode fazer para mudar a trajetória do objeto. Disparar é agir; e o projétil alcançar o seu alvo é o fruto. Sem apontar, só os loucos disparam e só os tolos se arrependem depois de atirar. Atirar sem objetivo e sem propósito, não é Karma Yoga. A ação cujo efeito é mau para si próprio e para os outros, deve evitar-se; quem segue essa lei, então se torna um seguidor do Karma Yoga.
Hoje em dia o Yoga é muito popular, muita gente se lança no Yoga achando que por ele pode alcançar o céu e a Deus sem a observância da disciplina estrita que sua religião lhe impõe. Isso é resultado da ignorância. Na realidade, um seguidor do Yoga necessita seguir uma vida muito disciplinada e austera. Cada ação deve ser um bom exemplo. Por isso sempre tem que discriminar entre o bem e o mal.
Em Los Angeles, Califórnia, quando falei isso, alguns de nossos jovens amigos disseram-me: “Não pensamos assim. Seguimos o caminho do Yoga porque cremos que um Yogue nunca tem que discriminar”. Isso é péssima interpretação do Yoga. Uma pessoa de Auto Realização “considera iguais um sacerdote culto e humilde, uma vaca, um elefante, um cão e ainda a quem come cão, mas nunca se comporta como um cão ou como aquele que come cão. Quem não observa moralidade estrita e tenciona seguir o Yoga destrói-se e destrói o Yoga. Alguns de meus amigos, que me amam muito aconselham-me com toda sinceridade, dizendo-me: “Swami, se o Senhor anda dizendo essas coisas, ambos, o Senhor e o Yoga perderão popularidade”. Viemos para disseminar a Verdade e queremos permanecer como mensageiros da Verdade. A popularidade ou impopularidade não é nossa preocupação. A Verdade deve ser conhecida. Teremos grande satisfação se o edifício da Verdade se edificar sobre a tumba de nossa popularidade.
O caminho do Yoga é o caminho da perfeição, não pode tolerar imperfeição alguma. A indisciplina é uma imperfeição e de todas, a pior. O Yoga não pode fazer-nos concessão alguma, mas pode animar-nos dizendo-nos: “Não te preocupes sobre tuas faltas. Todos os santos tiveram faltas; e as venceram. Tu também podes tirar teus defeitos e realizar a Deus”. Mas isso não significa que justifiquemos nossas más tendências!
O Yoga nenhuma intenção tem de criar alguma desordem na sociedade. Segundo o Senhor Krishna: “Tal como o ignorante executa todas suas ações com apego, também, ó Arjuna, o sábio deve agir, mas com desapego, pelo bem-estar da humanidade. O sábio não deve confundir a mente dos ignorantes que são ligados à ação; mas deve executar as ações com desapego e assim estimulá-los a fazer o mesmo”. (B.G. III/25-26)
Havia um santo cuja penitência satisfazia a Deus. E Deus apareceu a esse santo dizendo-lhe: “Eu estou aqui para dar-te o fruto de tua ação divina. Pede qualquer dom que quiseres”. O sábio replicou com grande humildade: “Senhor, eu fiz penitência pela penitência em si mesma, não necessito favor algum. Tua presença já me abençoou”. Mas Deus insistiu: Como assim? Nenhuma ação pode ficar sem frutificar. Tua penitência já frutificou. Caso tu não peças favor algum, eu mesmo te darei o fruto”. Em vez de acabrunhar-se com um favor indesejável, o sábio preferiu pedi-lo e disse: “Senhor a sombra detrás de mim, deve fazer o bem a todos”. Quando ele deu o que havia pedido, Deus lhe perguntou: “Por que pediste este favor? A sombra pode estar à direita, à esquerda e a frente também. Por que deve fazer bem às pessoas somente a sombra que cai detrás de ti?” O Santo replicou: ” Porque todos os tipos de sombra, exceto a que cai detrás de mim me farão notar os beneficiados. Eu quero servir às pessoas, mas sem lembrar seus rostos, nem seus nomes”.
Servir sem lembrar os rostos nem os nomes dos beneficiados é a Essência do Karma Yoga. O serviço à humanidade não deve ser um meio de publicidade de si mesmo. Se uma pessoa contribuir com um dólar para uma boa causa e no dia seguinte quer ver sua fotografia e nome publicados no jornal, o mero propósito de caridade se perde.
Na Índia existem muitos templos enormes. Ninguém sabe quando nem quem os construiu. Seus autores estavam tão livres do egoísmo que nem sequer deixaram seus nomes, mas existem templos modernos também. Apenas são tão grandes como uma casinha, têm na sua frente não só os nomes de seus construtores, como também os nomes de seus antepassados, de suas esposas, filhos, de seus netos. Horrível egoísmo. Esta classe de ação desfigura a imagem da caridade. O motivo egoísta destrói o propósito sagrado da caridade. A caridade que não tira o ego de seu executor, nenhuma classe de caridade é. A esmola, como esmola, não tem virtude alguma; somente como meio para tirar o ego, tem valor.
A esmola que se dá com o motivo egoísta, afeta o processo espiritual de quem dá e humilha a quem recebe. Virtualmente, quem aceita a esmola é maior que aquele que a dá! Sem dúvida o primeiro dá ao último a oportunidade de progredir no campo da espiritualidade.
Nenhuma política há na caridade. Dói muito a mim a atitude de alguns países que apregoam sempre sua caridade. Fazem muito pouco, e dão tanta importância! É assim que o espírito do Cristo e do Cristianismo se destrói! O homem tem que aprender a arte da caridade, “Quando fizeres caridade, não faças alarde na tua frente, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens; em verdade vos digo que eles já receberam sua recompensa. Quando deres esmola, não saiba tua mão esquerda o que faz a direita, para que tua esmola seja oculta, e o Pai, que vê o oculto, te recompensará”.
Quem esquece logo sua ação de caridade, é um caritativo verdadeiro. As pessoas falam muito sobre a caridade Cristã, a caridade Hinduísta, Budista, mas eu lhes digo: “Nenhuma definição de caridade será completa até que o homem aprenda a esquecer sua caridade”. É difícil, mas não é impossível. Pode-se esquecer a ação caritativa somente quando nos damos conta que não é fácil encontrar uma pessoa que a aceite!
Kayyata era um grande santo que vivia em Cachemira, uma parte da Índia. Quando o rei ouviu a respeito de suas virtudes, decidiu convidá-lo à sua corte. Mas quando o mensageiro o convidou, o santo respondeu-lhe: “Eu nada tenho a ver com reis e suas cortes. Estou ocupado em buscar a Verdade Eterna”. Então o rei pensou em convidá-lo com mais cordialidade, enviou seu Primeiro Ministro com grande quantidade de ouro e prata. Quando viu tudo, o santo riu muitíssimo e disse ao Primeiro Ministro: “Ó, bom Homem! Vai e dize ao teu rei que não arraste outros ao mesmo lodo onde ele mesmo está morrendo”. No dia seguinte, pela manhã, o rei mesmo foi onde estava o santo. Fazia frio e o santo estava tomando sol. O rei pediu: “Ó santo, eu estou aqui para servir-te. Por favor dize-me que posso fazer por ti?” “Em verdade queres tu servir-me?” Perguntou o santo. “Sim, Swami”, respondeu o rei. “Então, vai-te imediatamente daqui. Antes de tua chegada eu estava tomando sol. Agora tu estás a obstruí-lo. Só podes obstruir o sol, não podes dar-me”. O rei se desfez em lágrimas.
Um Kayyata é suficiente para derrotar nosso ego. Queremos dar-lhe $100, mas ele diz “Não”. Tratamos de oferecer-lhe $100.000, mas ele ainda diz “Não”. Pomos na sua frente $10.000.000, mas ele de maneira nenhuma se move. Que mais podemos fazer? Com nosso ego derrotado devemos cair a seus pés sagrados.
Há três palavras em sânscrito: Svartha, Parartha e Paramartha, que significam respectivamente o bem a si mesmo, o bem a outros e o bem Supremo. O serviço a outros é um estado mais alto que o egoísmo, mas tem “um que” de egoísmo, porque aquele que tem sentimento de servir a outras pessoas, sente que ele é superior a elas porque tem mais poder. Mas quando se age para servir a tudo, inclui a si mesmo e aos demais, sem nenhum sentimento de “eu” nem “tu”. Todas suas ações são para eliminar seu ego. Sempre pensa: “Nada tenho. Tudo pertence a Deus. Eu sou simplesmente um servente insignificante de Deus”. Todo o tempo sua consciência repete as palavras do Senhor Krishna: “O ato do sacrifício é Brahman (o Ser Supremo); a oferenda é Brahman; o que é oferecido por Brahman no fogo que é Brahman mesmo. Assim, aquele cuja a mente está fixa em ações dedicadas a Brahman, com certeza alcançará Brahman”. (B.G. IV, 24)
Com estas palavras eu lhes agradeço pela paciência e atenção.
Om shanti shanti shanti
Om paz paz paz