AS 7 PALAVRAS -2a PARTE – SRI SWAMI TILAK

AS SETE PALAVRAS

PARTE 2

Swami Tilak

Era meio-dia. Estendiam-se as trevas sobre a terra. Exclamou Jesus com voz forte.

 

“Deus meu, por que me abandonaste?” (S.Mateus XXII, 45)

 

Este grito é muito significativo. Não está relacionado com o medo que a gente comum tem ante a presença da morte. Significa a grande pressa que tem um devoto verdadeiro para juntar-se a Deus. A separação de Deus por dois minutos sequer, também é insuportável. Esta impaciência divina somente a tem os filhos de Deus. Nenhum reflexo de tristeza há nessa impaciência.

Quando um homem fica longe de sua família durante muito tempo e regressa a sua casa, tem uma inquietude peculiar. Quanto mais perto de sua casa, mais pressa tem de chegar. Assim também, Cristo veio para cumprir a missão de Deus; uma vez cumprida, Ele não tem mais interesse no mundo, tampouco em seu corpo. Não quer nada, exceto a união com Deus.

Há duas classes de homens, os que querem falar com seus parentes e amigos no momento de deixar este mundo e lembram de todos exceto de Deus, não se dando conta de que falam durante toda a vida com as pessoas mundanas e, duas palavras a mais com elas não as levarão ao céu. Os outros homens são os que não se lembram de ninguém nem de nada, senão de Deus. Partem do mundo com a mente perfeitamente cheia com a idéia de Deus.

Somente os homens do segundo tipo reúnem-se com Deus.

Segundo o Senhor Krishna:

SARVADVARANI SAMYAMYA

MANO HRIDI NIRUDHYA CHA;

MURDH NYADHAYATMANAH PRANAMASTHITO

YOGADHARANAM.

OMITYE KAKSARAM BRAHMA

VYAHARAM MAMANUSMARAN;

YAH PRAYATI TYAJANDEHAM

SA YATI PARAMAN GATIM.

ANANYACHETAH SATATAM YO

MAM SMARATI NITYASHAH;

TASYAHAM SULABHAH PARTHA

NITYAYUKTASYA YOGINAH.

“Com todos os sentidos separados dos objetos sensórios, sua mente implantada em seu coração e seu prana (força vital) concentrada em seu cérebro, esse deixa o corpo cantando OM – a projeção do BRAHMAN – o Absoluto e, contemplando-Me consegue o Estado Supremo, ó Arjuna! Ao Yogue dedicado que está completamente estabelecido em Mim, e que sempre pensa em Mim, Eu estou disponível facilmente.” (Guita VIII, 12-14)

Para realizar Deus, a gente tem que esquecer de todo mundo, até de sua própria vida. Cristo esqueceu tudo. Somente uma pessoa realizada pode gritar como Cristo. Neste grito encontramos a profundidade da espiritualidade.

No Rāmayāna, uma das escrituras mais sagradas dos hinduístas, relata-se que quando faltava só um dia para que o Senhor Rama regressasse de seu desterro de catorze anos, Bharata, seu irmão, que estava muito dedicado a Ele, exclamou:

More Yiyan Bharosa Dridha Soyi,

Milija Jin Rama Saguna Subha Joi;

Bitem Avadhi Rejin Yaun Prana;

Adharma Kavana Yaga Moji Samana.

“Estão acontecendo bons augúrios. Eu estou muito seguro de que estarei com Rama depois do término de nossa separação. Se eu vivesse sem Ele, não haveria nenhuma pessoa mais culpável que eu no mundo.”

Sabendo Jesus que já tudo estava consumado para que se cumprisse a escritura, Ele disse:

 

“Tenho sede.” (S.João XIX, 28)

 

Qual a sede de Cristo?

Sem dúvida, sua sede era muito diferente da ordinária. Seu coração estava impaciente para reunir-se a Deus.

Quem está consciente de sua relação com Deus, vive no corpo, mas espera incessantemente o momento em que sua alma sedenta consiga o néctar da Eternidade. “Eu Te glorifiquei sobre a terra levando a término a obra que me encomendaste realizar. Agora, Tu, Pai, glorifica-me perto de Ti mesmo, com a glória que tive perto de Ti, antes que o mundo existisse.” (S.João XVII, 4-5)

A experiência da morte, em nenhum sentido é menor que a da vida. Indubitavelmente a morte abre para o homem uma esfera muito diferente de experiência. Só os valentes, os corajosos que tem fé em Deus e na Eternidade do Ser, podem desfrutar dessa experiência.

“Ó Arjuna! Eu salvo sem demora do mundo e do oceano da morte àqueles cuja mente está perfeitamente estabelecida em Mim.” (Guita XII, 7)

Quando Tapovana Maharaja, um grande Guru, estava por deixar seu corpo, seus discípulos trataram de deitá-lo; ele lhes disse: “Filhos meus! Não se preocupem por mim. Descansei toda minha vida, agora quero ganhar a experiência da morte. Muitas vezes pode-se ter outras experiências, mas a experiência da morte não se pode obter por uma segunda vez na vida.”

A vida é uma mistura de mortalidade e imortalidade; o Filho do Homem e o Filho de Deus, ambos estão presentes no Ser. Logo que uma alma, que não tenha ego algum, passe pela porta da morte, nada fica exceto a história do Ser Eterno.

A morte para os ignorantes é a entrada da destruição completa, mas para os sábios é a entrada do céu onde dança eternamente a Deusa da Imortalidade.

“Àqueles que agem sem desejos, apegos, ego ou ambição, a Bem-aventurança Eterna dá as boas-vindas.” Esta é a disposição de quem realizou o Brahman. Quem a alcançar não pode ter nenhum tipo de ilusão. Ademais, no último momento da vida também fica nessa mesma disposição e obtém a felicidade sublime.” (Guita II, 71-72)

Havia um vasilhame cheio de vinagre e eles ensoparam uma esponja neste vinagre e acercaram-na à boca de Jesus. Quando Ele tomou o vinagre, disse:

 

 “Tudo está consumado” e inclinando a cabeça, entregou o Espírito.” (S.João XIX, 29-30)

 

Que diferença tão grande entre a intenção dos Sábios e a compreensão das pessoas comuns! Cristo falava sobre a sede espiritual, mas as pessoas compreenderam que Ele tinha sede mundana. Então deram-lhe vinagre.

“O que para o leigo é dia, é noite para o Sábio e, o que para o leigo parece trevas, é luz para o Sábio.” (Guita II, 69)

O vinagre é o líquido azedo produzido pela fermentação ácida do vinho. O vinho é o símbolo da realização de Deus, enquanto que o vinagre é dos prazeres sensórios.

Assim, como o vinagre é um produto secundário do vinho, assim também os prazeres sensórios são reflexos da felicidade Divina. Enquanto as pessoas comuns tratam de atrair a atenção do homem que crucificou seu ego na cruz da autorrealização, ele exclama para os objetos sensuais: “Tudo está consumado”. Certamente, nesta frase a palavra “tudo” não inclui em si mesma ao Ser. O Ser é eterno. Nada nem ninguém pode termina-lo. Só os desejos terminam.

A crucificação física só, não pode tirar todos os desejos e não pode dar a realização de Deus. Antes de Jesus, muitos outros morreram na cruz e depois de Cristo, também foram muitos os que morreram na cruz e, pelo menos dois morreram juntos com Cristo na cruz, mas ninguém pôde obter a glória de Cristo.

O Senhor Krishna diz: “Aquele que se abstém dos objetos sensuais não goza deles, mas o apetite deles continua. No entanto, A Verdade Suprema acaba com o apetite daquele que a conhece”. (Guita II, 59) A abstinência física é a crucificação. O vinho da realização dá às pessoas a intoxicação Divina, que faz esquecer-se de tudo o mundo.

O Mahabharata é uma escritura famosa da Índia. Nesta escritura encontramos o caráter maravilhoso de Bhishma Pitamaha. Ele tem o poder de vencer todo o mundo; mas para cumprir o desejo do Senhor põe fim a sua vida. Então no campo de batalha, vê-se-lhe deitado numa cama de flechas. Todo o sangue escorreu de seu corpo e, neste momento tem sede. As pessoas trazem água em jarras de ouro, mas ele diz: “Eu não quero beber esta água. Arjuna, filho meu! Faz algo para satisfazer minha sede.” Arjuna afunda sua lança na terra e a água sai do centro da terra. Desta maneira satisfaz-se a sede do generalíssimo.

A terra é o mundo e seu centro. A corrente de água que sai do Ser pode satisfazer a sede do ser corajoso que consumiu todo seu sangue para servir à causa divina.

No fim Jesus, com grande voz, disse:

 

 “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito.” E dizendo isto, expirou. (S.Lucas XXIII, 46)

 

O ego está morto.

O espírito fez-se Um com o Espírito Santo.

O grande drama do mundo acabou-se.

O processo da Emancipação realiza sua finalidade.

O ego é a consciência do “eu”, enquanto que o Espírito é a Consciência Pura.

O ego é a “causa” da escravidão; o Espírito, a fonte da liberdade.

O filho do homem sempre é livre; mas o ego não o deixa realizá-lo.

Então, a Crucificação.

A Crucificação do ego é a Crucificação do filho do homem.

A crucificação do filho do homem é a Ressurreição do Filho de Deus.

Sem a crucificação, nenhuma Ressurreição há. Em verdade a Crucificação é a Ressurreição.

O mesmo que é o filho do homem no mundo, é o filho de Deus no Reino de Deus.

Onde está o reino de Deus?

“O reino de Deus está dentro de vós.” (S.Lucas XVII, 31)

“Quem viu a mim, viu ao Pai. Como dizes tu: “Mostra-nos ao Pai?” (S.João XIV, 9)

Nenhuma diferença há entre o Filho e o Pai. “Não crês que eu estou no Pai e o Pai em mim?” (S.João XIV, 10)

O mundo já não vê a Cristo, mas as pessoas que têm fé e sabedoria vêem-No. Aqueles que vêem a Cristo vivem eternamente.”

Onde está Cristo?

“…eu estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós.” (S.João XIV, 19-20)

Deus é eterno.

Cristo é eterno.

Nós somos eternos.

Nós e Cristo estamos em Deus.

Nós e Deus estamos em Cristo.

Cristo e Deus estão em nós.

Então, podemos realizar a Deus e a Cristo em nós mesmos. A realização do Ser é Vedanta, o fim da Sabedoria é Jnana Yoga.

O Veda diz: “O Onisciente que sabe tudo e de quem é todo o poder e toda majestade da Terra é o Ser, sentado no trono da Cidade Divina de Brahman, no Céu Eterno.”

“Tatvamasi: Tu és Aquilo – o Ser Eterno.”

Ninguém pode realizar o Ser sem sacrificar o ego. A crucificação do ego é a Crucificação Real.

No período da Semana Santa, os seguidores de Cristo devem aprender a crucificar o ego, o filho da ignorância e, o que fazem durante a Semana Santa devem fazê-lo durante toda a vida, pois a vida é uma semana – a repetição dos sete dias da semana.

Em verdade, toda a vida é uma semana na qual sempre o ciclo dos sete dias se repete. Então, toda vida deve converter-se numa Semana Santa; cada dia o ego deve crucificar-se. Em realidade, sete palavras são os sete passos da autorrealização:

  1. “Pai perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. Representa o perdão.
  2. “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso”. Representa a compaixão.
  3. “Mulher, eis aí a teu filho. João, eis aí tua Mãe.” Significa o amor universal.
  4. “Pai meu, por que me abandonaste?” Representa a impaciência Divina.
  5. “Tenho sede.” Representa o apetite pela realização.
  6. “Tudo está consumado.” A renúncia.
  7. “Em tuas mãos entrego meu espírito”. A entrega perfeita.

Em sânscrito, os passos mencionados chamam-se respectivamente: SHAMA, KARUNÁ, VISHVAPREMA, TITIKSHA, MUMUKSHVAM, VAIRAGYAM E ATMA-SAMARAPANAM. Os sete passos são necessários para Atma Bodha. Nenhuma coisa mais importante há que Atma Bodha. Devemos seguir o caminho da autorrealização com dedicação e autoconfiança. As bênçãos de Deus e dos Santos e Sábios estão conosco.

 

OM Shanti Shanti Shanti

OM Paz Paz Paz